terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Jarra art déco Argenta “Golfinhos” - Gustavsberg




Jarra da linha Argenta, de grés com aplicação de prata sobre fundo esmaltado verde mate, evocando bronze com verdete à semelhança dos bronzes chineses. Ornamentação de golfinhos classicizantes, sendo um de maior dimensão. Na base, a prata, HAND DREJAD inscrito num rectângulo, ARGENTA, 978, II e, incisos na pasta, a marca Gustavsberg, com símbolo de âncora, e KÄGE inscrito num rectângulo, e 1.
Data: c. 1932
Dimensões: alt. 21 cm

Conhecíamo-la de fotografia da colecção do Metropolitan Museum de Nova Iorque, e nem acreditávamos estar perante um exemplar idêntico à venda num pequeno antiquário em Estocolmo. A peça era um ícone do déco sueco e estava ali à nossa espera. Entrámos, perguntámos o preço, e, afinal, tínhamos dinheiro para a comprar. A jarra, que então adquirimos, ocupa um lugar muito especial no leque das nossas afeições.

Pintor, designer gráfico e ceramista, Wilhelm Kåge (1889-1960), estudou na Escola de Belas Artes Valand, em Gotenburgo, e posteriormente em Estocolmo e Copenhaga.
Seguindo a recomendação da Sociedade Sueca de Design Industrial, de que os artistas deveriam ser integrados na indústria a fim de melhorar a qualidade artística dos objectos domésticos e, por esse meio, educar o gosto do consumidor, Kåge deixou uma prometedora carreira de designer gráfico e entrou para a fábrica de cerâmica de Gustavsberg, em 1917, como seu director artístico, cargo que ocupou até 1949. E mesmo depois desta data, substituído que foi por Gustav Lindberg, continuou, de maneira informal, a trabalhar nela até à sua morte.
A par das peças utilitárias, em faiança, acessíveis às classes trabalhadoras, caso do serviço de jantar Liljebala (Lírio Azul), de 1917, ou das linhas de loiça de ir ao forno e à mesa “Pyro”, de 1930, e “Practica”, de 1933, Kåge também fez peças mais exclusivas e mesmo peças únicas em escultura. Recebeu um Grand Prix na Exposição de Paris de 1925.
Em 1930, na Exposição de Estocolmo, Kåge introduziu a produção da muito dispendiosa linha “Argenta”, caracterizada pela aplicação de motivos maioritariamente clássicos e/ou marinhos de prata incrustados no grés colorido. Embora o verde seja a cor mais frequente, existe também noutras cores, caso do vermelho, do azul e do castanho: mas sempre um “must” em matéria de artesanato oneroso.
Já em 1926 havia mostrado protótipos desta linha em Estocolmo e, no ano seguinte, em Nova Iorque, só que as decorações apresentavam aplicação a ouro sobre as superfícies verde-escuras. A linha Argenta serviu a Kåge como um contraponto artístico à sua tarefa principal de criar loiça utilitária de um funcionalismo sem compromissos.
À sofisticação das formas aliou-se o refinamento do desenho, por vezes pleno de ironia, onde criaturas aquáticas - das diferentes espécies de peixes, aos golfinhos, tritões e sereias, sobretudo - evoluem num borbulhar de bolhas de ar delicadamente embutidas. Noutros casos, são apenas figuras femininas, ora languidamente reclinadas em mundanas e sofisticadas poses, ora dançando envoltas em véus. Ainda no figurativo, destaca-se a figura da serpente. Em paralelo surge um outro tipo de decoração, mais geométrica, com ornatos em zig-zag, talvez numa estilização de ondas, meandros quebrados, ou simples linhas, etc. Haveremos de mostrar aqui alguns exemplos.

A linha Argenta teve tal sucesso, sobretudo nos Estados Unidos, que foi produzida até praticamente à morte do seu criador, embora os exemplares da década de 50 apresentem novas propostas tanto ao nível dos modelos como das decorações, maioritariamente de outros designers que não Kåge. Embora mantendo parte do repertório clássico, que adquire um grafismo mais anguloso e menos rico de detalhe, abundam as florinhas e outras decorações que, quanto a nós, são menos apelativas que a produção das duas décadas anteriores claramente art déco.

A atracção dos países nórdicos pelo classicismo deu-lhes a reputação de serem sóbrios, pelo que a história do design escandinavo nos princípios do século XX foi marcada por duas tendências dominantes: por um lado, a sobrevivência e adaptação das tradições dos estilos neoclássico e Biedermeier às necessidades e aos gostos contemporâneos, e por outro, a expansão do funcionalismo.
E se os ritmos “jazzy” e as cores espalhafatosas, que mais facilmente se associam ao estilo Art Déco, excitavam pouco a imaginação nórdica, outra versão do estilo havia, representado noutros pontos da Europa pelo neoclassicismo mediterrânico moderado e presente nas cerâmicas de René Buthaud ou nas telas de Henri Matisse, que estava mais conforme à sobriedade escandinava. Assim, por consequência, a Art Déco nórdica encontrou aí o seu lugar através de uma reformulação subtil desse mesmo classicismo, num emprego inventivo do ornamento e numa admiração sem limites pelo artesanato.
O humanismo e a reforma social estiveram no centro das preocupações nos países nórdicos. O design “socialmente correcto” e as suas consequências na produção de massa e a utilização das máquinas percebidas como libertadoras, foi uma das direcções escolhidas. A outra foi a individualidade, o artesanato tradicional, o prazer dos materiais, o luxo e a linguagem familiar da proporção humana clássica.
A tensão entre “austeridade” e “graça” foi “à la longue” resolvida pelo conceito de “beleza social”. Mas nas décadas de 20 e 30, os designers seguiram o caminho da graça e do luxo, fazendo o elogio da decoração, e é nisto que a Escandinávia contribuiu de maneira tão particular para a evolução do estilo Art Déco. De outras fábricas concorrentes, igualmente representantes da “swedish grace”, haveremos de dar notícia e exemplos.

Se quiserem saber mais aconselhamos a leitura do catálogo L’art déco dans le monde (2003) e do livro de Alastair Duncan, Art Deco Complete (2009) de onde parte destas informações foram retiradas.

1 comentário:

Fábio Carvalho disse...

Olá AM-JMV!
Obrigado pelo link e as fotos de peças Sandoz/Haviland. Já dei uma primeira olhada, e é tanta coisa interessante para se ver, que não vi bem 1/3 do material.
Fico muito agradecido mesmo.
abraços
Fábio