Na ausência de um design industrial nacional
que satisfizesse as necessidades do mercado e que acompanhasse a evolução do
gosto (e, de alguma maneira, das mentalidades) no clima de renovação formal do
período Art Déco, a partir de finais dos anos 20, mas mais evidente na
década seguinte, a importação de modelos estrangeiros foi a solução encontrada
pelas fábricas portuguesas. Ao nível da loiça utilitária já apresentámos
exemplos deste princípio utilizado em várias unidades fabris, caso da Porcelana
de Coimbra, com modelos sobretudo alemães, e da Fábrica de Loiça de Sacavém com
reprodução de modelos ingleses, caso que mais uma vez ilustramos. Todavia,
neste formato concreto, a situação é um pouco mais complexa e curiosa.
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Serviço de café art
déco, da vertente modernista, de
faiança moldada, composto por cafeteira, leiteira, açucareiro e chávenas com
respectivos pires. A chávena
de café apresenta bojo ovoide truncado com base e asa lateral ondulada, de perfil
rectangular fechado. Corpo branco é decorado por três filetes horizontais a azul-escuro e laranja,
desencontrados, e unidos por dois filetes oblíquos mais finos a azul-escuro. O bordo
da asa e a base são destacados por filete duplo a azul-escuro e laranja. Pires
circular, branco circundado por filete duplo azul-escuro e laranja. Cafeteira,
leiteira e açucareiro apresentam forma e decoração idênticas, embora a primeira
tenha tampa com pega tricolor, branco, laranja e remate a azul, e asa vazada, e
o último apresente duas asas. Trata-se do modelo Estoril, com motivo
decorativo nº 933. No fundo da base, excepto chávena, carimbo verde «Gilman
& Ctª / Sacavém / Portugal». Pintado à mão, a azul, «Y ou T», excepto na
leiteira, e que é a única marca presente nas chávenas. Na cafeteira, inscrito
na pasta, «P». No pires, inscrito na pasta, «52LO» Sacavém e, a verde, «T». Açucareiro
apresenta ainda «2» a verde.
Data:
c. 1935
Dimensões: Várias
O conjunto não se encontra em condições perfeitas -
algumas peças estão
manchadas pelo uso por café, outras apresentam pequenas falhas na pintura
aplicada sobre vidrado, etc. – mas colecionar tem também um pouco a ver com o
acaso e compra-se o que se nos oferece no mercado numa dada ocasião, desde que
a preços razoáveis e não especulativos.
Trata-se da decoração
nº 933 «para serviços de café formato Estoril em barro marfim», de acordo com o
catálogo de desenhos da Fábrica de
Loiça de Sacavém, existente no Centro de Documentação do respectivo Museu
(MCS-CDMJA), a quem mais uma vez agradecemos. A ficha respectiva informa-nos
ainda que se aplica este motivo geométrico nas combinações de cores:
azul e preto; verde e preto; amarelo e preto; ouro e preto; amarelo e castanho;
ouro e azul e encarnado e preto.
O
modelo que está na génese do formato Estoril foi editado por Robj, em França,
c. 1930 (a produção Robj encerra em 1931), em versão serviço de chá, embora fabricado no Luxemburgo onde a
Villeroy & Boch tinha uma fábrica que forneceu vários modelos a este
editor. Não conseguimos apurar nome ou
nacionalidade do designer que o concebeu, não tendo de ser forçosamente
francês.
Possivelmente
chega a Portugal, à Vista Alegre, enquanto serviço de chá, por via francesa, e a
Sacavém apenas na forma de serviço de café, por via do modelo Moderne,
dos anos 30 (c. 1935), da firma inglesa Carlton Ware, forma 1246, que reproduz o modelo de Robj, em versões de açucareiro com e
sem tampa. A decoração do serviço de Sacavém provém também da Carlton Ware onde
recebeu o nome Rayure. Trata-se de um
bom exemplo da circulação internacional do design
moderno de formas que se tornaram mais populares no período de Entre-Guerras.