sexta-feira, 27 de julho de 2012

Serviço de chá art déco alusivo aos Jogos Olímpicos de 1936 – Vista Alegre

Em jeito de evocação do ideal olímpico de paz e coexistência entre os povos que hoje, mais uma vez, se celebra, apresentamos um serviço de chá da Vista Alegre, testemunho da comemoração de uma olimpíada que, infelizmente, simbolizou a adulteração total dos referidos ideais. Que os Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, sejam uma festa da Humanidade.




As chávenas deste modelo já foram apresentadas com outra decoração em 1 de Abril de 2012, juntamente com outro serviço.


Serviço art déco de linhas modernistas de porcelana branca com decoração alusiva aos Jogos Olímpicos de 1936, composto por bule, leiteira, açucareiro e chávenas com respectivos pires. O símbolo olímpico, a cinco cores é complementado pelas cores da bandeira nacional (embora o encarnado tenha aqui um tom mais alaranjado) representado por duas argolas, apenas ausentes nas chávenas e pires. Na base de todas as peças, carimbo verde V. A. Portugal (Marca 31: 1924-1947). Na leiteira, pintado à mão a laranja, PA204, e, inscrito na pasta, 25. Inscrito na pasta, à mão, no bule, 1 = 4; na chávena, 4 e t (?); no pires, 7.
Data: 1936
Dimensões: Várias



Modelo lançado pela Vista Alegre por volta de 1935, a decoração deste nosso exemplar é seguramente do ano seguinte, dadas as referências óbvias aos Jogos Olímpicos de 1936 na Alemanha.









Vagamente inspirado no modelo Conical – Odilon, criado pela inglesa Clarice Cliff, em 1929, da linha Bizarre, a versão portuguesa apresenta bastantes diferenças na forma das peças em relação à sua, eventual, fonte de inspiração. Não há dúvidas que a forma da leiteira e a base, em cruz grega, do açucareiro, remetem para o modelo inglês, tal como as pegas das tampas. Mas estas são as únicas semelhanças pois em relação às demais formas só encontramos diferenças: o açucareiro na versão inglesa é perfeitamente cónico e não em calote esférica como o modelo VA, forma que se repete nas chávenas de asa cúbica; no bule inverte-se o sentido troncocónico do corpo da peça e também a asa e o bico não acompanham o modelo inglês. E mesmo a leiteira da versão portuguesa apresenta uma subtil curvatura junto à base que contraria a forma troncocónica do original. Demasiadas diferenças para uma filiação directa que alguns pretendem ver.





Uma coisa parece certa, a decoração será de inspiração alemã, caso das duas argolas que aqui apresentam as cores da bandeira portuguesa, mas que noutros exemplos deste modelo de serviço da VA estão em consonância com os exemplos que aqui ilustramos, da fábrica alemã Schmelzer & Gericke em Althaldensleben, mais ou menos da mesma data.



Este serviço terá sido editado apenas para comemoração dos Jogos Olímpicos ou terá tido também funções de representação na comitiva oficial portuguesa ao evento que pretendia ser a celebração triunfal dos êxitos do nazismo e do novo papel da Alemanha no concerto das nações?


Não nos esqueçamos que a década de 30 foi a época por excelência do triunfo dos fascismos nos quais o regime de Salazar se enquadrava.


Utilizando massivamente todos os meios possíveis de propaganda, o regime nazi de Hitler aproveitou os Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, como elemento potenciador do prestígio da nova Alemanha.

Criou o mais moderno complexo desportivo feito até então, limpou a cidade de toda a propaganda anti-semita, insinuou a ideia de que o regime era tolerante e pacífico, na crença de que a superioridade ariana haveria de ser demonstrada pelo número de medalhas ganhas. Quase que numa premonição do que haveria de acontecer nove anos depois, foram os estrangeiros, nomeadamente a “raça inferior” dos negros norte-americanos que arrebataram as medalhas de atletismo, a mais importante das modalidades olímpicas, derrotando a Alemanha. E o herói destes jogos que pretendiam ser a exaltação da raça ariana, foi Jesse Owens, um afro-americano (para utilizarmos a linguagem politicamente correcta).


É neste enquadramento que a produção de porcelana alemã, que aqui se ilustra, teve o seu papel enquanto veículo de exaltação do regime em ano de grandes celebrações desportivas e de triste memória.


terça-feira, 24 de julho de 2012

Jarra art déco Argenta “Sereia” - Gustavsberg


Mais uma jarra art déco de grés da linha Argenta concebida por Wilhelm Kåge (1889 -1960), um dos nossos designers preferidos, para a fábrica sueca Gustavsberg, com decoração de sereia com duas caudas, de prata embutida. Na base, a prata, Gustavsberg seguido do símbolo “Âncora”, 978 III, e SJ. Inciso na pasta a marca Gustavsberg com respectivo símbolo “Âncora” e KAGE inscrito num rectângulo com N a prata.
Data: c. 1940
Dimensões: Alt. c. 26 cm x diâm. 18,5 cm


As iniciais SJ correspondem ao artista decorador Sven Jonson, e a presença do N na base parece indicar que se trata de uma peça produzida em 1944.

sábado, 21 de julho de 2012

Caixa art déco com escorridos - Lusitânia Lisboa


Caixa de faiança moldada, de forma hexalobada, com taça assente sobre pé circular a preto ligeiramente reentrante. A superfície recebeu uma cor de fundo de espesso azul-claro sobre a qual foi pintada uma grelha a preto, ficando zonas em reserva, sinuosamente recortadas, preenchidas a laranja forte, que produzem escorrências controladas. Na tampa, a pega a preto, reproduz em miniatura a forma da caixa. Na base, carimbo estampado, verde, da unidade de Lisboa: escudo coroado Lusitânia, com Cruz de Cristo enquadrada pelas iniciais C F C L [Companhia das Fábricas de Cerâmica Lusitânia] sobrepujando Portugal.
Data: c. 1930
Dimensões: Alt. 11 cm x larg. 18 cm




Mais uma vez estamos perante uma peça que tanto ao nível da forma como da decoração, aplicada a aerógrafo formando escorridos, é de influência da Europa central. Neste caso, e como já vai sendo habitual, encontrámos paralelismo em peças alemãs que aqui reproduzimos, uma delas marcada como sendo da fábrica Staffel.

Tirando partido dos escorridos de forma estudada mas simultaneamente aleatória esta técnica de decoração foi muito utilizada na Alemanha e países vizinhos. Os efeitos obtidos pelas escorrências dão origem a decorações abstractizantes todas com pequenas variações entre si apesar de partirem da mesma matriz decorativa. O cuidado posto na colocação dos esmaltes leva a que muitas vezes as peças pareçam exactamente iguais.

Há cores que são comuns, fruto do gosto da época, como é o caso deste laranja estridente que vamos encontrando tanto em fábricas nacionais - já aqui mostrámos várias de Sacavém - como alemãs e dos países que formaram a coração do império austro-húngaro.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Açucareiro art déco modernista de Schramberg


Açucareiro, de faiança moldada, de forma esférica com decoração geométrica estampilhada em tons de azul-escuro, sobre fundo azul-claro esponjado, apresenta linhas art déco modernistas filiadas na Bauhaus. A tampa, composta por dois semi-círculos desnivelados é atravessada por pega semi-circular composta por três semi-círculos relevados e concêntricos. Bordos da taça e da tampa esponjados a azul-escuro. Na base, carimbo preto com SMF inscrito em escudo sobrepujando Schramberg, e Dec: 548. Inscrito na pasta 3844
Data: c. 1930
Dimensões: Alt. 12 cm x diâm. 11 cm


A compra deste açucareiro, atribuído a Eva Stricker Zeisel, deveu-se apenas a possuirmos as chávenas de Sacavém anteriormente postadas e atraiu-nos mais que os pires aí ilustrados. E se a sua forma mais vanguardista pouco tem a ver com a do formato Aldeia, é interessante possuir a decoração original e a sua versão portuguesa. Se ao nível da forma a peça alemã é mais harmoniosa, pelo rigor geométrico, ao nível da decoração a versão aerografada da FLS agrada-nos mais que a estampilhada manualmente.

Com origens que remontam a 1820, a fábrica de Schramberg teve vários nomes e proprietários, chegando, em 1883, a integrar, como subsidiária, a Villeroy e Boch em Mettlach. Em 1912 foi vendida aos irmãos Moritz e Leopold Meyer, de origem judaica, passando a marca a ostentar a sigla SMF (Schramberger Majolika-Fabrik), passando a companhia limitada em 1918.

Nos anos 20  a empresa vai apostar na inovação artística contratando artistas de renome. Esta renovação ganha mais fôlego no final da década com participantes da Bauhaus e também acentuando uma vertente mais Art Déco.

Por força das perseguições nazis a família Meyer, em 1938, emigrou para o Reino Unido. Em 1949, Peter Meyer, filho de Moritz, nascido em 1922, voltou com sua família para Schramberg retomando a propriedade e direcção da fábrica com sucesso.


A húngara Eva Zeisel (nascida Eva Amalia Striker, em Budapeste, em1906) foi uma dessas artistas. Contratada em 1928 para desenhar loiça utilitária, concebeu modelos e decorações que fizeram época, especialmente popularizando motivos influenciados por Mondrian.

Tendo estudado pintura em Budapeste acabou por ser atraída pela cerâmica tradicional húngara, tornando-se ceramista. A sua visita, em 1925, à Exposição Internacional das Artes Decorativas e Industriais Modernas, em Paris, pô-la em contacto com os trabalhos de Le Corbusier e os movimentos modernos, caso da Bauhaus.

A entrada em Schramberg transformou-a de ceramista de estúdio em designer industrial.

Em 1935 encontra-se a trabalhar em Moscovo como directora artística da indústria de porcelana e vidro da República Russa. Presa em 1936 por acusação de conspiração contra Estaline, passou 16 meses na prisão, sendo libertada em 1937 sem qualquer explicação. Parte para Viena de onde foge em 1938 aquando da entrada dos nazis na Áustria. Refugiada na Inglaterra, haveria de casar com Hans Zeisel, que conhecia de Berlim, com quem emigrará para os Estados Unidos nesse mesmo ano, país onde terá uma longa e profícua carreira de sucesso que lhe granjeou fama internacional. Morreu em Nova Iorque a 30 de Dezembro de 2011.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Chávena de chá com pires – Formato Aldeia - Sacavém


Chávenas e pires de um serviço de chá, de faiança moldada, com decoração geométrica estampilhada e areografada de motivos de círculos castanho-mel a que se sobrepõe parcialmente uma composição de linhas paralelas, castanho-escuro, formando quadrado sobre um fundo esponjado a amarelo. Bordos, asa e centro do pires realçados no tom castanho-escuro. O corpo das chávenas é em calote esférica, embora exteriormente apresente quatro gomos que se desvanecem em direcção ao bordo redondo, formando base recortada. Os pires são quadrilobados. As chávenas não apresentam qualquer marca, mas os pires têm na base, carimbos verde, Gilman & Ctª – Sacavém – Portugal, H e, inscrito na pasta, Sacavém 52 PP.
Data: c. 1930
Dimensões: Várias




Deste serviço, formato «Aldeia», com decoração nº 807 do catálogo de desenhos da Fábrica de Loiça de Sacavém, existente no Centro de Documentação do respectivo Museu (MCS-CDMJA), a quem mais uma vez agradecemos, infelizmente só possuímos algumas chávenas e pires. Informa-nos uma nota manuscrita no referido desenho, pelo aviso 34 de 1946, que esta decoração foi retirada nessa data.


A técnica do esfumado que a pintura a aerógrafo possibilita, neste serviço é particularmente cuidada e permite dar uma tridimensionalidade aos círculos que, assim, se assemelham a esferas. Esta decoração ilustra bem, mais uma vez, a grande influência que as criações alemãs exerceram em Portugal nas primeiras décadas do século XX, neste caso concreto em Sacavém, visto que reproduz o decor 548 da Fábrica de Schramberg atribuído à designer Eva Zeisel, de cerca de 1930 (ver foto e aqui). O mais curioso é que tendo sido a técnica do aerógrafo vulgarizada na fábrica por alemães, na criação germânica o motivo é estampilhado mas aplicado a pincel, o que lhe confere uma outra leitura.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Jarra «toupie» art déco - Longwy


Outra jarra da Fábrica de Faiança de Longwy da forma «toupie» (pião), de tamanho pequeno. Desta feita, apresenta uma variante decorativa distinta, pois para além do friso que envolve o bojo decorado com flores estilizadas, também parte das faces receberam a mesma decoração embora sem cor.

Peça de faiança moldada, esmaltada, craquelé marfim, em forma pião oitavado, com friso redondo envolvendo a sua parte mais larga, com fundo cor de laranja decorado por composição floral policroma, estilizada ao gosto art déco, segundo a técnica do “relevo contornado” ou corda seca. O mesmo motivo floral aparece sem cor, inciso segundo a técnica da corda seca, intercalado, em quatro das faces superiores, partindo do friso em direcção ao bocal que é saliente a cor de laranja. Na base, carimbo redondo com escudo e coroa Longwy, da "Société de Faïenceries" "LONGWY "- France. Número de decor : D5055.
Data: c. 1925
Dimensões: alt. 22 cm x diâm. máximo 17 cm


Embora não assinada, trata-se de uma criação de Raymond Chevallier (1890-1959) dado conhecermos exemplar idêntico devidamente identificado. Será também ele o autor da decoração, em cesto de flores, da jarra com o mesmo modelo apresentada em 20 de Março passado.

Raymond Chevallier começou a trabalhar na fábrica de Longwy em 1921, tornando-se  responsável pela introdução da estética art déco.  Rapidamente assume a responsabilidade pelo atelier artístico. Graças às suas relações pessoais, nomeadamente com Paul Follot, vai obter o exclusivo das criações para a linha Pomone, dos armazéns Au Bon Marché. Longwy vai também criar para a colecção Primavera do Printemps, e para outros armazéns (La Samaritaine, Galeries Lafayette, etc) e grossistas como Jean Luce.

As criações de Raymond Chevallier triunfam nas Exposição de 1925. Será ele quem contrata o seu primo Maurice Paul Chevallier cujas peças, a partir dessa data, ficarão igualmente célebres.

Em 1931 cria a célebre jarra esférica (boule coloniale) para a Exposição Colonial desse ano realizada em Paris, pela qual recebe a medalha de ouro. Esta peça é geralmente considerada como marcando o fim do período criativo art déco em Longwy, que, assim, retorna à tradição japonizante que a havia celebrizado no século XIX.

Nesse mesmo ano Raymond Chevallier parte para a Bélgica onde vai trabalhar na Boch de La Louviere (Keramis) vindo a suceder a Charles Catteau como director. Regressado a França em 1954, cria a Faiencerie d'Orchies, vindo a morrer cinco anos depois.


sábado, 14 de julho de 2012

Jarra Arte Nova da Ernst Wahliss, em Turn - Viena



Jarra de faiança moldada, “amolgada” na parte superior, conferindo-lhe um aspecto trilobado e orgânico dentro da gramática Arte Nova. Sobre o fundo branco, caem cachos de flores numa explosão de cores. O bocal ondeado a azul claro é debruado a preto. Na base, carimbo preto estampado, com brasão coroado onde se lê Turn – Vienna e (mal) EW sobrepujando Made in Austria (marca de 1899-1918). Inscrito na pasta, à mão, 4730 e 1 invertido (?). Pintado à mão 20 e 7.3012 sobre 8 (?)
Data: c. 1910
Dimensões: Alt. 18 cm

Exemplar sem continuidade nas nossas colecções, esta jarra foi adquirida pela filiação da sua decoração aos trabalhos de Powolny que, infelizmente, não possuímos por nunca termos encontrado um acessível às nossas bolsas. E a influência dos fundos florais de Klimt, cujos 150 anos do seu nascimento se comemoram hoje, também não lhe são alheios. Contudo, os motivos florais inserem-se numa transição de gostos, em que a Arte Nova timidamente vai cedendo lugar a uma outra linguagem estética, cujo processo de depuração dará origem à Art Déco, mais estilizada e geometrizada.


Em 1863 Ernst Wahliss funda um negócio de venda a retalho de porcelanas em Trnovany, na actual República Checa. À época, como parte integrante do Império Austro-Húngaro, conhecida por Turn-Teplitz, Boémia. Tinha lojas de venda de porcelana da Boémia em Londres e em Viena.

Em 1894 Wahliss compra a Imperial e Real Fábrica de Porcelana de Alfred Stellmacher que havia sido fundada em 1859.

Dois anos após a sua morte, em 1900, os seus dois filhos Hans e Erich, compraram 600 moldes originais da extinta Manufactura de Porcelana Imperial e Real de Viena, dando início a uma série de reproduções da célebre porcelana vienense, acabando, em 1905, por nomear a empresa Porcelana Alexandra - Ernst Wahliss, que, a partir de 1910, se dedicaria, sobretudo, à produção de objectos de faiança, e haveria de ficar célebre pela criação de modelos originais.

Em 1921 a fábrica foi incorporada na União das Porcelanas, Fábrica de Porcelana Unida AG, que em 1927 haveria de se juntar à associação EPIAG. Em 1934 todas as unidades fabris foram fechadas. Ver mais detalhes aqui.



quinta-feira, 12 de julho de 2012

Jarra art déco com mariposas da Aleluia-Aveiro


Jarra de faiança moldada com decoração policroma, estilizada e geometrizada ao gosto art déco, parcialmente estampilhada e com detalhes manuais, num motivo triplamente repetido de mariposa, de asas ligeiramente abertas, pousada sobre flor. De permeio, motivos vegetalistas, com destaque para uma jovem folha de feto cujo desenrolamento sobressai entre cada insecto. As cores frias do azul e verde, realçadas por contornos a preto e pelas reservas a branco remetem para a noite e definem o fundo vegetalista e as asas da borboleta nocturna. São quebradas pela presença solar de uma grande flor amarela, quase que um resplendor enquadrando a cabeça e antenas do insecto, e pelo seu abdómen acastanhado. Na base, pintado à mão a preto, F.ca Aleluia = Aveiro =. Inscrito na pasta 31.
Data: c. 1930
Dimensões: Alt. 27 cm



Infelizmente, esta jarra tem o bocal partido e foi alvo de uma tentativa de adaptação a candeeiro. Não deixa, no entanto, de constituir uma das nossas peças predilectas, dada a originalidade da sua decoração. Arriscamos mesmo dizer que estamos na presença de uma das mais originais composições cerâmicas art déco realizadas em Portugal. Pelo menos, até agora, não encontrámos qualquer paralelismo em criações estrangeiras, apesar de reconhecermos elementos recorrentes noutras composições art déco, caso da folha de feto que desabrocha, dos círculos ou dos zig-zagues. Uma vez mais, estamos perante uma criação original concebida pela Aleluia-Aveiro. Esta sabiamente soube copiar, digerir e reformular um vocabulário que, vindo de fora, ganha aqui contornos nacionais, até na própria técnica pictórica que, de certa maneira, se aproxima da pintura de azulejos. Mas sobretudo, e isso será, quanto a nós, o mais surpreendente, a pintura pretende imitar os efeitos dos esfumados que a utilização do aerógrafo produzia. Técnica esta muito usada pela concorrente Sacavém e sua sucursal nortenha do Carvalhinho que, por sua vez, seguiam os modelos alemães. Tanto quanto conhecemos, a Aleluia-Aveiro não parece ter associado tal técnica à estampilha.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Pote art déco - S.P. Coimbra


Pote de porcelana moldada, cor-de-laranja aplicada a aerógrafo, com filetes a ouro realçando as extremidades (pé e bocal). A tampa, também com filete a ouro na base, apresenta uma pega em forma de botão de açucena prestes a abrir, em branco com o exterior das seis pétalas e o centro a ouro. Na base, carimbo verde Coimbra S. P. Portugal. Pintado à mão, a preto, dec 4.
Data: c. 1940
Dimensões: alt. 28,5 cm x larg. máxima 16 cm


Em nossa opinião trata-se de uma peça art déco muito interessante da Sociedade de Porcelanas de Coimbra. Mais uma vez estamos perante o dilema da datação que, em princípio, rondará 1940.

O corpo, piriforme, com tampa, remete para uma influência oriental, com a cor a acentuar a linguagem Art Déco. A sóbria simplicidade da forma destaca a pega, fazendo sobressair a elegante estilização do botão floral. Como acontece, salvaguardando-se as devidas distâncias, evidentemente, por exemplo, com determinado tipo de peças dinamarquesas da Royal Copenhagen, de concentram a decoração na pega, no caso, em bronze, fazendo ressaltar o despojamento da cerâmica de clara inspiração chinesa.

Este modelo, tal como os dinamarqueses,  tem a particularidade de poder ser também utilizado como jarra. Veja-se o detalhe do bocal a ouro, invisível quando tapado. Daí que apareçam muitas jarras à venda que, em boa verdade, foram concebidas como potes. Haveremos de ilustrar um desses casos, embora de outra fábrica.


domingo, 8 de julho de 2012

Máscara de parede art déco da Royal Dux - Checoslováquia


Máscara de parede de faiança esmaltada a branco-rosado representando uma face feminina, dentro da gramática art déco, a três quartos, vendo-se do lado direito o cabelo ondulado caindo em caracol abaixo do nível da orelha (tapada), risco ao lado e franja penteada para a esquerda, à maneira de Greta Garbo, e com os olhos semi-cerrados e boca aberta como se gritasse. No tardoz, carimbo azul da Royal Dux (1918 – 1947) com a bolota dentro do triângulo inscrito num círculo com Made in Czeschoslovakia. Inciso na pasta 14835. III
Data: c. 1930
Dimensões: Alt. c. 29 cm x larg. c. 22,5 cm x 9 cm



Interessou-nos esta cabeça de jovem mulher pela distância que há entre ela e as suas congéneres cujos modelos, às centenas, adornavam as casas à época. Pensemos nas produzidas pela Goldscheider, e em tantas outras coloridamente fabricadas um pouco por toda a Europa. Veículos de mundanidade superficial que condiziam plenamente com os ambientes de evasão tão típicos nos anos 20 e da década seguinte. Na verdade poucas máscaras monocromas conhecemos como esta da Royal Dux.


Um exemplo de máscara tendencialmente monocroma é a que Canto da Maia criou, mas o seu espírito traduz serenidade e um refinamento elegantes, precisamente o contrário da carga de angústia que a peça que hoje apresentamos contém.


A primeira aproximação que estabelecemos, para além da evidente distância de qualidade artística, foi com a cabeça da «Monserrat Gritando» de Julio González, embora de datação posterior. E aproximámo-las por antonímia. Se nesta última é a angústia da camponesa pobre que se manifesta face à tragédia e ao horror da Guerra Civil de Espanha, nesta máscara de jovem burguesa a angústia será a expressão de um sentimento íntimo dominado pelas convenções sociais. E neste ponto, divagando, podemos pensar em «O Grito» de Munch todo ele exteriorização física de uma angústia existencial. Ao expressionismo da cabeça de González e da pintura de Munch opõe-se o sentimento bem comportado de uma peça destinada a adornar ambientes burgueses. No entanto, colocada na solidão de uma parede, incomoda e ganha uma força inusitada. Afinal, três expressões anónimas de um mesmo sentimento humano.