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sábado, 18 de agosto de 2018

Cabaré e charme. A propósito de uma escultura de Gustav Oppel para a Rosenthal - Alemanha


Peça de porcelana moldada e relevada, de cor branca, com apontamentos a amarelo, laranja, ouro, preto e verde, figurando uma jovem mulher, de pé e em pose, envergando traje de cabaré: calções curtos a amarelo, casaco e chapéu alto. Cabelo à la garçonne. Assenta sobre pé circular escalonado debruado a ouro. No fundo da base, carimbo verde «Rosenthal»«B-Bavaria». Inscrito na pasta «11». A dourado uma assinatura ilegível, talvez do pintor.
Data: 1923

Dimensões: Alt. 23 cm


Cabaré e Alemanha de entre guerras parecem ser indissociáveis, ideia que a literatura, o teatro e o cinema ajudaram a cimentar.

Mais que a divine decadence da personagem Sally Bowles, do filme Cabaret (1972), baseado na obra homónima de Cristopher Isherwood, que a brilhante Liza Minelli interpreta no filme de Bob Fosse, ao vermos esta delicada figurinha de porcelana, e embora não estejamos perante a atracção fatal da Lola Lola que actua no decadente cabaré Anjo Azul (Der blaue Engel), interpretado pela não menos brilhante Marlene Dietrich, do filme de Josef von Sternberg, estreado em 1930, é dela que nos lembramos.

Embora mais liberta, reivindicando para si atributos de moda, de pose e de comportamentos até então masculinos, a mulher é ainda uma ameaça. Continua durante este período a encarnar o Mal. A atracção demoníaca exercida por actrizes e coristas, no palco e no ecrã (embora neste se reduzisse, para a grande maioria dos espectadores, a amor platónico e a devaneios oníricos) continua tão presente como durante a Belle Époque.

A Alemanha sente o tratado de paz de 1919 como uma injustiça. Apesar dos sacrifícios e da pesada perda de vidas, quer militares, quer civis, o país não tinha conhecido o horror das batalhas e da destruição dentro do seu território, e a população mantinha-se profundamente ligada à monarquia e sentia como estranha a nova república imposta.
Arruinada economicamente pelo conflito e pelas pesadíssimas indemnizações que era obrigada a pagar às potências vencedoras, mergulha na miséria. Paralelamente, franjas de ricos, novos-ricos e arrivistas consomem freneticamente as coisas boas que o dinheiro pode proporcionar. A festa, o desvario, vão constituir a fuga a uma realidade da qual não se vislumbrava saída.

A necessidade de esquecer as agruras passadas e presentes vai potenciar a criatividade artística e sumptuária. A indústria cerâmica acompanha os novos gostos e tendências, abastecendo e contribuindo para o escapismo angustiado de uma sociedade que vivia apenas para o dia-a-dia. A República de Weimar embrenha-se, assim, com uma intensidade na joie de vivre dos anos loucos que sucederam à Grande Guerra, desconhecida nos demais países activos no conflito, apesar da grande miséria que se abatera sobre a pequena burguesia e o operariado.


Quando a escultura intitulada «Charme» foi criada, por Gustav Oppel, para a fábrica alemã Rosenthal, nos inícios da década de 1920, era este o cenário. A situação arrastou-se até 1925, quando se dá o empréstimo americano, ano em que se inicia a acção do Anjo Azul, e a situação económica alemã melhora nos curtos anos que antecedem o crash da bolsa de Nova Iorque.

A escultura mostra uma elegante e charmosa criatura de um qualquer espectáculo musical de luxo, até porque se destinava a ser adquirida por uma clientela sofisticada e de posses.

Não é o caso do Anjo Azul, mas a indumentária de Lola Lola, apesar de mais pobre, aproxima-se da da escultura: o mesmo tipo de cartola, o mesmo género de sapatos, e a lingerie sob o curto vestido evoca os calções curtos. Traje de cena, para deslumbrar e seduzir, porque lá fora a vida é dura, mas dentro do cabaré tudo é vibrante de ritmo e de cor, de luz e de brilho e, sobretudo, de erotismo. O sexo acompanha o ritmo do jazz, e o frenesim de danças como o charleston. Estamos no apogeu do teatro musical e congéneres.


Na obscuridade teatral e difusa, repleta de fumo de cigarro, para as cabeças toldadas pelo álcool, todos os rostos são belos e há muitas carnações à vista. O encanto das actrizes e coristas ilude, assim, os sentidos e os sentimentos. Vive-se numa outra dimensão. E há espaços de espectáculo para todas as bolsas. Divine decadence.

domingo, 20 de agosto de 2017

Cinzeiro «Hipopótamo» creme - Sacavém


Cinzeiro de faiança moldada e relevada em forma de hipopótamo estilizado, de corpo arredondado, quase esférico, assente sobre quatro patas simétricas, e boca aberta, de cor creme subtilmente craquelé. O maxilar inferior, curvo, serve para apoiar o cigarro. No fundo da base carimbo azul «Gilman & Cta, Sacavém» sobrepujando «Made in Portugal».
Data: c. 1930-40
Dimensões: Alt. 6,5 cm x comp. 7,5 cm x larg. 5 cm (aproximadamente)


Trata-se de mais um objecto fantasista e divertido com que os criadores de cerâmica, e não só, amenizaram o quotidiano do período entre as duas Grandes Guerras. As suas obras ajudavam a esquecer o passado recente que profundas marcas havia deixado em todos assim como a Depressão que, iniciada em 1929, fazia surgir o especto de nova hecatombe, corporizada na subida ao poder de Hitler, em 1933. A potência alemã que havia causado a tragédia de 1914-18 voltava a mostrar as fauces.

Mas, por enquanto, a Europa fingia viver no melhor dos mundos possíveis. Brincar ajudava e os objectos funcionavam como escapismo na esquizofrenia ascendente. Não é à toa que este «Yawning Hippo Ashtray», reproduzido pela fábrica de loiça de Sacavém, seja uma concepção inglesa da Wilkinson Ltd, por volta de 1930. Arthur J Wilkinson (Ltd) operava na Royal Staffordshire Pottery, em Burslem, Stoke-on-Trent. O Reino Unido fazia parte do grupo dos vencedores mas as cicatrizes demoravam a fechar.

Encontrámos uma referência online como tendo sido este cinzeiro criado por Clarice Cliff, que nessa firma trabalhou, mas não o conseguimos apurar.


Como sabem, gostamos de imaginar possíveis cenários onde os objectos pudessem ter figurado no passado. Tratando-se de um cinzeiro individual, logo pouco propício à partilha (a não ser que houvesse vários exemplares estrategicamente espalhados pelo espaço colectivo de recepção de um qualquer interior doméstico), imaginamo-lo numa mesinha de apoio, junto a uma poltrona pronto a ser manuseado. Na pacata realidade portuguesa era mais uma blague num mundo ainda rural isolado sobre si próprio.

Esta forma simplificada e divertida de um cinzeiro em forma de hipopótamo, mais uma vez um brinquedo para o universo dos adultos, remete-nos ainda para a sexy bailarina hipopótamo que nos deliciou, e delicia ainda, na «Dança das Horas», de Ponchielli, no filme de Walt Disney, Fantasia (1940). Deixa-nos bem-dispostos e faz-nos sorrir.


Infelizmente, o nosso exemplar creme tem um defeito de fabrico no maxilar inferior. 

domingo, 2 de outubro de 2016

Ampara-livros «Fauno e Ninfa» de Lejan – Vista Alegre


Par de ampara-livros art déco de porcelana moldada e relevada, craquelé, de cor marfim, composto por duas figuras sentadas, um fauno e uma ninfa, sobre soco sextavado que se prolonga em L na vertical formando o encosto. Em ambos os socos, sob os pés da ninfa e os cascos do fauno, inscrito na pasta «LEJAN». No interior oco das peças, carimbo verde «V.A.» «Portugal» (marca nº 31 - 1924-1947).
Data: c. 1930
Dimensões:
Fauno: Alt. 17,5 x comp. 16,2 cm x larg. 8 cm
Ninfa: alt: 16,5 cm x comp 17 cm x larg.


Este conjunto de ampara-livros foi-nos vendido como pertencente à mesma unidade (ou será que seriam pares de faunos e de ninfas?).

Mas não é essa questão que fundamentalmente nos interessa. A propósito deste ampara-livros e de outras peças assinadas «Lejan» produzidas em Portugal pela Fábrica da Vista Alegre, que temos vindo a apresentar, hoje voltamos à problemática identidade do seu autor.


De Lejan apresentámos, em 2011, peças da Vista Alegre, caso do «Pierrot», em 11 de Novembro (e um post sobre o seu émulo da fábrica francesa Orchies, assinado «Dax», em 13 de Novembro seguinte), do «Arlequim», em 14 de Novembro ou do «Urso polar» em 27 de Dezembro.


Apesar de enigmático é consensual que Lejan, Le Jan, Genvane, Dax, Jeanle, sejam a mesma e única pessoa.

No catálogo da Exposição realizada em 2007 no Musée des Années 30, Sèvres. Boulogne-Billancourt: La ceramique indépendante, p. 124, um apontamento biográfico refere que Lejan “é uma assinatura misteriosa e impenetrável. É nome de artista ou pseudónimo? Existiu realmente ou é um nome utilizado por uma manufactura para assinar as peças de diferentes artistas?”
No livro Les craquelés Art déco: histoire et collections, de Hardy e Giardi, de 2009, que já citámos noutro post, diz-se ser Lejan um prolífico escultor que continua a causar polémica em França, sendo considerada a mais enigmática das personalidades evocadas.
E nós, enquanto coleccionadores e amadores destas coisas, e baseados em documentação e aproximações formais, propomos uma atribuição que pensamos cada vez mais consistente.


A hipótese que levantámos no post dedicado a um peixe craquelé assinado Lejan, em 29 de Dezembro de 2011, no seguimento de uma base de candeeiro da Cerâmica S. Bernardo, de Alcobaça, postada em 21 de Novembro desse ano, que reproduzia nos anos 80 do século XX, uma das bailarinas de Jean-Baptiste Gauvenet (1885-1967) para Sèvres, chamávamos a atenção para as aproximações no maneirismo das torções dos corpos, nos perfis das cabeças e mesmo nas golas do vestuário encontradas nas bailarinas de Gauvenet e os ditos Pierrot e Arlequim de Lejan, da V.A.


Continuámos a fazer análises comparativas, de que aqui damos alguns exemplos, entre obras assinadas Gauvenet para Sèvres, em porcelana, e outras - faianças craquelé em França ou porcelanas em Portugal – com as diferentes assinaturas. Deparámo-nos de novo formalmente com linguagens muito similares.


Por isso, estamos cada vez mais convictos de que o segredo se encontra, de facto, revelado no verbete nº 1049 do Catálogo Geral da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre (Portugal), relativo ao artigo escultura «Arlequim», de 1927, que dá como autor Gauvenet, cujo primeiro nome é, afinal, Jean-Baptiste. Assim, Lejan, Le Jan, Genvane, Dax, Jeanle, são vários pseudónimos que Gauvenet terá utilizado para obras não concebidas ou decoradas para Sèvres.



domingo, 29 de maio de 2016

Velador orientalista “garçonne et prince oriental”- Limoges, França


Peça de porcelana moldada art déco, policroma, representando um par do Próximo Oriente, de pé, com a figura masculina abraçando uma bailaria, dentro da moda “garçonne et prince oriental”. As carnações das duas figuras são ligeiramente rosadas. O homem tem barba preta e veste túnica, com capuz caído sobre as costas, de cor marfim forrada a vermelho, com motivos florais estilizados igualmente a vermelho e preto, sobre veste amarelo-torrado. A cabeça apresenta-se coberta por outro capuz, de cor marfim, decorado com motivos geométricos das cores da túnica. A figura feminina, com cabelo à garçonne apresenta-se de frente, tronco nu, com calças de balão de base marfim listradas verticalmente a ouro e verde, presas à cintura por uma faixa negra. Na mão, pendente, um leque. No fundo da base «Limoges» e assinado «Rauche». Instalação eléctrica de origem.
Data: c. 1925-30
Dimensões: alt. 31cm x larg. 13cm


Na teatralidade da representação, do gesto, a figura masculina protege e deseja a frágil jovem. Terá servido para iluminar qualquer câmara mais íntima, um quarto, talvez, de um apartamento burguês nos anos 20 ou de inícios de 30, ou de um lupanar sofisticado. Fantasia, romance, sedução, desejo, num ambiente saturado de sedas e brocados, perfumes inebriantes… tudo conjugado para uma noite memorável a dois ou será apenas ilustração de um sonho solitário de celibatário? Tantas possibilidades…

A ideia romântica que o Ocidente concebeu das «Mil e uma noites», exacerbada depois no cinema, com filmes como «The Skeik», deu origem a todo um imaginário de liberdade e fantasia que pouco estava em consonância com a realidade.

O Orientalismo foi uma moda dentro da pintura de género que atravessou o século XIX, reforçada pelas campanhas de Napoleão e que culminou com a descoberta do túmulo de Tutankamon em 1922. Um fascínio pela civilização desaparecida do Egipto Antigo misturava-se – ou emparceirava - com o mundo muçulmano. A Sublime Porta, a mítica Istambul, essa passagem entre dois mundos, horizonte recortado de cúpulas bizantinas e de émulas otomanas acrescidas de minaretes, era ainda Europa mas tinha tudo já de outro continente e de outra civilização. O exotismo de uma Ásia que alastrava pelo Sahara escaldante do Norte de África até encontrar o Atlântico. O Próximo Oriente circundava a margem sul do Mediterrâneo e esse fervilhante mundo outro, estendia-se de Marrocos à Pérsia. A expansão do Islão difundiu por todo esse vasto território certos usos e costumes, maneiras de vestir e arquitecturas. Por ser demasiado misterioso e ambíguo, terras de desertos sem fim, por vezes tão sem horizonte como um oceano, o Ocidente olhou para ele como se se tratasse de um todo uniforme com pequenas variantes.


O fascínio pelos espaços infinitos de paisagens inóspitas mas hipnóticas, ausentes de verde mas ricas na paleta de ocres. Ergs e hamadas, com ou sem ouadis, formam os desertos. Essas paisagens dunares ou pedregosas remetem para mil aventuras. Aí, encontrar ou não um poço de água ou um oásis verdejante de tamareiras e sicómoros, pode fazer a diferença entre a vida e a morte, mas na ficção os heróis sobrevivem sempre e no fim têm a princesa ou o príncipe encantado dos seus sonhos nos braços. É que Xerazade, Aladino, Ali Babá, Sinbad, tapetes voadores, edifícios cúbicos, cúpulas bulbiformes, minaretes, crescentes, portas em ferradura, arcos conopiais, hammams, odores a essências preciosas e especiarias, salões ocultos pejados de ouro, diamantes, rubis, esmeraldas e safiras, e, como parte da banda sonora, o apelo do muezim, mito e realidade, tudo se funde na nossa imaginação colectiva ocidental.
Daí que sultões, paxás, odaliscas, bailarinas, vizires, encantadores de serpentes, servos de vários géneros, mercadores e mesmos populares de todo o Próximo e do Médio Oriente, inundaram um imaginário pleno de luxúria e prazeres carnais. A ideia de harém suscitava, suscita ainda, os mais loucos desejos e fantasias, sobretudo por parte da população masculina. A pintura de Ingres serviu para exaltar toda essa ideia de voluptuosidade, de corpos desnudos e paixões à flor da pele.


Em grande parte das representações ocidentais, as vestes deste outro, de uma maneira geral, amplas, tanto podiam dar a descobrir carnações como tapavam toda e qualquer curvatura de um corpo humano. É isso que podemos constactar em grande parte das artes decorativas do período Art Déco. Até porque de burca, niqab, hiyab ou chador a mulher desse Oriente é estranhamente misteriosa. Não permitindo o islamismo que a mulher mostre do corpo mais que a cara e as mãos, e, em casos mais extremos, nem mesmo isso, no resguardo de quatro paredes imagina-se que tudo se altere e atinja refinadas formas de sedução.

É deste paradoxo que o elemento feminino deste velador, talvez uma odalisca, se alimenta, sendo bem exemplo da visão distorcida que o Ocidente tinha de uma civilização que se lhe afigurava plena de sensualidade.

domingo, 29 de novembro de 2015

Caixa art déco “Ouriço-cacheiro” da Electro-Cerâmica – Vila Nova de Gaia


Caixa art déco, de porcelana moldada e relevada, em forma de ouriço-cacheiro estilizado, sendo a tampa a cabeça do animal. Corpo ovoide, a preto, revestido de espinhos em triângulo, lembrando escamas, sob o qual sobressaem subtilmente as patas da mesma cor. Cabeça e cauda a branco, tendo a primeira apontamentos a preto realçando focinho e olhos. No fundo da base, inciso na pasta, as letras sobrepostas «EC» inscritas num quadrado na oblíqua. Selo colado da «Vidraria Monumental - Av. Almirante Reis, 162A – Lisboa».
Data: c. 1930
Dimensões: Comp. c. 15,5 cm x larg. c. 7,5 cm x alt. c. 6,5 cm


Esta peça art déco remete claramente para a influência estilística de algumas criações de Édouard-Marcel Sandoz, caso do ouriço-cacheiro deste autor, que se ilustra, que parece ter sido a matriz inspiradora da deliciosa e simpática criatura produzida pela Electro-Cerâmica de Vila Nova de Gaia que hoje apresentamos.


Surge, certamente, na sequência da influência que esse escultor suíço radicado em França teve na produção nacional na década de 1930, bem documentada na Fábrica da Vista Alegre, que produziu, pelo menos, duas peças de Sandoz. Foi o caso de um coelho e de um saleiro-rã, este último já postado aqui no blogue, na sua versão a amarelo, em 19 de Janeiro de 2012.


A surpresa do selo de uma vidraria aposto a uma pequena peça decorativa de porcelana, talvez uma drageoire, pode indiciar uma prática comum em Portugal até aos anos 60 do século XX, a de se oferecer brindes a certos clientes. Embora nada obste a que um estabelecimento dessa natureza não pudesse também vender objectos de decoração.


sábado, 8 de agosto de 2015

Ainda a propósito do cinzeiro-cigarreira art déco «Gato» - Sacavém

Relativamente ao cinzeiro, formato «Gato», postado em 15 de Março passado, verificámos que, por distração (estávamos mesmo a precisar de férias), nos esquecemos de publicar a fotografia, de 1941, constante do acervo do Museu de Cerâmica de Sacavém -Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso (MCS-CDMJA), cujos créditos e colaboração agradecemos. É bem exemplificativa de como era utilizado este cinzeiro bem-humorado.


Como referimos então, a peça aparece referida com o nº 272 nas tabelas de preços de faianças decorativas de 1941 (10$00), de 1945 (15$50) e 1951 (20$00), e não, mais um lapso, 1950 ...

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Jarra art déco com três asas (pequena) – Aleluia-Aveiro


Jarra de faiança moldada e relevada, piriforme, com bojo seccionado regularmente por caneluras verticais e três pequenas asas entre o colo e a parte superior do bojo. Sobre a cor creme de fundo recebeu decoração estampilhada manualmente a preto e castanho. Entre as caneluras, debruadas por filete preto, recebeu festões vegetalistas estilizados que pendem de um anel perolado que cinge a parte inferior do colo sendo a parte superior do mesmo decorado por duas folhas cruzadas, onde liga a parte superior das asas que são, em ambas extremidades, pintadas a preto em degradé, simulando o esfumado do aerógrafo. Assenta sobre pé saliente realçado por filete preto e aguada acastanhada. No fundo da base, a preto pintado à mão, «Aleluia Aveiro» e, inscrito na pasta, «20» seguido de «A» igualmente a preto pintado à mão.
Data: c. 1935 - 45
Dimensões: alt. 12,5 cm



Trata-se pois do modelo nº 20, e a primeira decoração da série, como indica a letra «A». No Catálogo de loiças decorativas de inícios da década de 40, aparece representada jarra idêntica, com mesma dimensão e numeração, mas com o nº 20-B, ou seja, a segunda da série. Haveremos de postar o modelo nº 21 de maiores dimensões e outras decorações.


Estaremos, uma vez mais, perante um exemplo de contaminação com a produção da vizinha Fábrica da Vista Alegre. Ao observarmos a jarra «Ângelo», que ilustramos, não há dúvida de que estamos perante a mesma forma. A jarra aparece-nos referida na bibliografia existente como tendo sido criada na Vista Alegre em 1937. Todavia, e mais uma vez a ironia do desconhecimento sobre a produção nacional, a fábrica alemã de porcelanas Rosenthal produziu este modelo na mesma década de 30, e não cremos que tenha sido ela a copiar um modelo português.


Aliás, a Rosenthal parece ter sido uma razoável fornecedora de modelos para o mercado nacional das fábricas de cerâmica, caso da Vista Alegre ou Sacavém e, provavelmente por acréscimo, da Aleluia-Aveiro como será o caso do exemplo de hoje.


A propósito de Sacavém, aproveitamos para exemplificar um dos casos mais flagrantes de utilização de um modelo escultórico alemão da Rosenthal e os equívocos que, mais uma vez, o desconhecimento introduz no discurso nacional vigente sobre o assunto.

Trata-se da escultura de mulher nua sentada, que na obra «Fábrica de Loiça de Sacavém» de Ana Paula Assunção aparece, na página 125, erradamente identificada como sendo da autoria de Donald Gilbert. Como ilustramos, trata-se também de uma peça concebida pela Rosenthal, criada em 1934 pelo escultor alemão Gustav Adolf Bredow (Krefeld, 1875 - Stuttgart 1953). Basta saber ver a obra de Donald Gilbert, um artista moderno, para se perceber que tal peça, de estética profundamente reacionária, já da época hitleriana, não poderia nunca ser criação sua. Uma obra sem garra.


Como tivemos oportunidade de desvendar na palestra «À conversa com …», realizada no Museu de Cerâmica de Sacavém, em 24 de Maio de 2014, intitulada «Modelos e referências estrangeiras na produção da loiça de Sacavém na 1ª metade do século XX», a influência alemã é bastante grande em Sacavém.

Habitualmente só se refere a importação de modelos ingleses, mas como se vê a Alemanha (fábricas como a referida Rosenthal, a Max Roesler, a Schramberg, a Sörnewitz-Meissen, etc.), mas também a França (apresentamos dois exemplos da Fábrica de Sainte Radegonde), deram contributos significativos para esta fábrica. São, por agora, apenas alguns exemplos, mas voltaremos ao assunto a propósito de outras peças.




quinta-feira, 23 de julho de 2015

Ampara-livros art déco “Elefante” azul – Sacavém


Elemento de um par de ampara-livros art déco, em versão aerografada, a azul manchado a castanho, criado por Donald Gilbert, idêntico ao par cor-de-laranja postado postado em 7 de Dezembro de 2014. No fundo da base, carimbo verde «Gilman & Cta – Sacavém» e, inscrito na pasta, «Gilbert Sc» [Sculpcit] , e «EL» «52».
Data: c. 1930 - 35
Dimensões: Alt. 15,7 cm x comp. 10 cm x larg. 7,3 cm


A escultura corresponderá à designação «Ampara livros - Elefantes», com o nº 238, que aparece nas tabelas de preços de «Loiças decorativas em faiança» da Fábrica de Loiça de Sacavém, de 1945, a 50$00 o par.



Infelizmente temos apenas um de um par. Se por acaso tiverem um solto e queiram fazer uns colecionadores compulsivos felizes, já sabem: contactem-nos. 


sexta-feira, 3 de abril de 2015

Escultura art déco «Adagio» – Hutschenreuther - Alemanha


Escultura art déco de porcelana moldada, de cor branca com apontamentos a ouro na base. Representa um homem, sentado sobre um cepo de árvore, que toca violino e uma mulher igualmente sentada, a um nível inferior, no solo. O conjunto assenta sobre uma base oval escalonada em três níveis com realces a ouro. Atrás da figura masculina, inscrito na pasta, C. Werner. No fundo da base, carimbo verde com leão «Hutschenreuther, Selb Bavaria, Abteilung für Kunst»
Data: c. 1927 (carimbo 1920-1938)
Dimensões: Alt. 21 x comp. 23 x larg. 14,5 cm


Trata-se do modelo nº 0906/1 do catálogo de 1927, pág. 33, da fábrica alemã Hutschenreuther, da autoria de Carl Werner, intitulada «Adagio».

Versão art déco de uma cena galante setecentista, com ecos das porcelanas de Meissen de então, a peça escultórica é de uma fragilidade extrema. Elegantes e mundanas, as personagens parecem envergar trajes de cena. A teatralidade da representação é realçada pela depuração e pelo amaneiramento das formas, estilizadas e tendencialmente geometrizadas, a que as mãos, de enfática modelação, acrescem ainda maior intensidade ao movimento barroco de toda a composição. Diríamos estar perante uma peça que é um meio-termo entre duas expressões escultóricas e estéticas do Art Déco germânico dos anos 20: o neo-barroco extremado de Paul Scheurich (1883–1945), para Meissen e KPM, e a estilização moderna de Gerhard Schliepstein (1886-1963), para Rosenthal.

O ritmo lento da música, já que se trata de um adágio, acentua a delicadeza desta cena intimista, em que à concentração do músico correspondem os gestos graciosos da mulher que provavelmente canta.


Carl Werner (1895-?) nasceu em Rudolstadt, na Turíngia. Trabalhou sob a orientação de seu pai, entre 1910-1914, na fábrica de porcelana de Aeltesten Volkstedter. Depois da Primeira Guerra Mundial estudou na Kunst-Hochschule de Weimar. De 1922 a 1960 trabalhou como escultor e director técnico do departamento de arte da fábrica de porcelana Lorenz Hutschenreuther.

Especialista no movimento e na expressividade do corpo humano, o seu talento, enquanto escultor, muito contribuiu para o reconhecimento internacional da produção artística da fábrica.


Comprámo-la há alguns anos em Berlim, na Suarezstrasse, artéria onde se concentram antiquários de vários géneros. E não hesitámos entre uma versão monocroma branca, que encontrámos numa das lojas, e esta, com subtis apontamentos a ouro, que descobrimos noutro estabelecimento próximo.

Transportá-la para Portugal é que se revelou complicado dada a fragilidade da peça. Mas são estes pequenos episódios que tornam as férias ainda mais interessantes.


domingo, 15 de março de 2015

Cinzeiro-cigarreira art déco «Gato» - Sacavém


Cinzeiro-cigarreira de faiança moldada e policroma, suavemente craquelé, em forma de gato estilizado. O animal, de cor alaranjada e nacarada, com apontamentos a preto, é representado deitado de barriga para cima, formando uma concavidade que serve de receptáculo para as cinzas, com patas dianteiras também para cima e patas traseiras segurando o rabo. Na cabeça erguida, de grandes olhos azuis esbugalhados e expressão sorridente sob os bigodes, com uma abertura circular no canto esquerdo da boca para um cigarro, tem um chapéu, cor de laranja com pala preta, perfurado por cinco orifícios circulares para enfiar cigarros. No fundo da base, carimbo azul acinzentado «Gilman & Cta – Sacavém» e «Made in Portugal». São visíveis as marcas da trempe.
Data: c. 1935-45 (?)
Dimensões: Alt. 9,5 cm x larg. 9,5 cm x comp. 9,5 cm


A figura corresponderá à designação «Cinzeiro Formato Gato», com o nº 272, que aparece nas tabelas de preços de «Loiças decorativas em faiança» de 1945, a 10$00 (na de 1950 aparece a 20$00).

A gramática estilizada da peça em forma de gato remete-nos para a banda desenhada da época, e para o famoso Gato Felix (Felix the Cat), de quem já aqui escrevemos, no post de 1 de Junho de 2013, a propósito de gato da Lusitânia-Coimbra.

Peça irónica, o animal ostenta uma expressão sorridente, arriscamos mesmo a dizer viciosa, tal o deleite transmitido pelo prazer de fumar. É reflexo de uma época em que os pequenos bibelots preenchem o vazio do quotidiano com cor e humor.


O período entre as duas Grandes Guerras oferece-nos uma miríade de objectos fantasistas que povoam as decorações de interiores e quotidianos. Foram anos onde o bibelot e a ironia fizeram parte de um universo onde se simplificaram formas e decorações por oposição ao gosto mais rebuscado da Belle Époque. O Art Déco, nas suas mais variadas expressões estéticas, permitiu superar a angústia da carnificina da I Guerra e nos Anos Loucos as pessoas aprenderam a rir-se de si mesmas. Se por um lado, numa primeira fase, concebeu ambientes e objectos luxuosos, selectivos e requintados, por outro lado, depois de 1929, a Grande Depressão propiciou uma produção de massas mais em consonância com os tempos de crise que se viviam e onde opções estéticas mais populares do estilo contribuíram para a criação de ambientes descontraídos, coloridos e cheios de vida. Em todo o caso, a tendência foi ambos os tempos serem modernos e, dentro do possível, feéricos. 



sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Bilheteira art déco com figuras grotescas – Karlsruhe - Alemanha

Na sequência das peças de Karlsruhe que temos vindo a postar, hoje mostramos mais uma igualmente refinada bilheteira de Helmut Uhrig.


Bilheteira art déco, de faiança moldada, composta por taça circular, preto mate, com relevo espiralado no fundo, suportada por três pés antropomórficos. As figuras, grotescas, apresentam faces com olhos e bocas vazados, cor de laranja forte (uralite). No fundo da base de um dos pés, em relevo, carimbo da fábrica Karlsruhe, com coroa. Esgrafitado à mão, no fundo da taça, «3291/84» (número de modelo e decor). Selo da loja onde terá sido vendida: «J. F. Maercklin – Stuttgart» e, escrito à mão, «620/679».
Data: c. 1930
Dimensões: Ø c. 33,8 cm x alt. 9 cm
  


A taça, despojada e sóbria, apoia-se sobre três pés, representando figuras ajoujadas sob o seu peso. Se numa parece ser evidente a influência da Grécia Antiga, visto assemelhar-se a uma máscara de teatro da Antiguidade, já as outras tanto podem remeter para as criaturas disformes de capitéis e gárgulas medievais, como fazem lembrar a cerâmica pré-colombiana. Estas figuras são de grande qualidade escultórica.