sábado, 31 de março de 2012

Jarra art déco Argenta “Ondas” - Gustavsberg



Jarra da linha Argenta, de grés com aplicação de prata sobre fundo esmaltado verde mate, em forma de esfera achatada e esquinada cujos panos são ornamentados por sucessões de linhas quebradas em zig-zag, numa estilização de ondas. Na base, incisos na pasta, a prata, HAND DREAD inscrito num rectângulo, ARGENTA, 1092, III, e a marca Gustavsberg, com símbolo de âncora, um G (que corresponderá a uma edição de 1937) e Kåge também inscrito num rectângulo, e um L.
Data: c. 1932
Dimensões: larg. 15 cm x alt. 9 cm

Mais uma peça assinada Wilhelm Kåge (1889-1960) claramente art déco, exemplo, na sua harmonia e decoração, da “swedish grace” que comprámos em Estocolmo. Aqui podemos encontrar, para além do imaginário nórdico e clássico ligado ao mar, uma certa herança da cerâmica ou cestaria africanas, então também muito em voga, devido às exposições coloniais. Contudo, poderíamos ir mais longe, e recuar aos arquétipos pré-históricos da cerâmica europeia. De facto, como temos referido, estas peças proporcionam quase sempre leituras polissémicas.



Não resistimos a contar como chegámos a esta jarra.
Ouvindo-nos falar em português, enquanto comentávamos peças suecas do século XX que, na montra em frente do seu estabelecimento, haviam despertado o nosso interesse, um antiquário, madeirense de origem, há décadas a residir em Estocolmo, meteu conversa connosco: «Pensava que os portugueses só gostavam de século XVIII e de Companhia das Índias.»
Encetou-se uma conversa simpática e, embora não fosse a cerâmica novecentista a sua especialidade, acabou por nos dar uma série de informações úteis sobre o assunto e onde comprar, e foi graças a ele que adquirimos a peça de hoje.
No desenrolar do diálogo, contou-nos que o habitual era aparecerem portugueses interessados em peças de outras épocas, sobretudo antiquários que procuravam Companhia das Índias, visto Gotemburgo ter sido um entreposto de comércio com o Oriente e haver muita porcelana chinesa na Suécia. Alguns, pretensiosos e provincianos, do alto da sua soberba, iam tentar fazer “negócios da China” com os suecos, e citou alguns nomes conhecidos para nós. Acabavam por ser alvo da troça dos indígenas, pois comentava-se que os mesmos compravam no mercado inglês falsificações de Companhia das Índias que tomavam como verdadeiras e que eram fabricadas expressamente para Portugal. Nós, apesar de também já termos sido enganados e comprado cópias, ficámos felizes por não termos o vício das porcelanas orientais, embora gostemos muito de as ver em museus e palácios. Ao menos temos a certeza que essas são genuínas. Serão?

A loja de modernariato (a expressão italiana parece-nos mais adequada ao caso), onde fomos parar, vizinha do nosso conterrâneo, parecia uma secção da colecção de Francisco Capelo, que, num espaço relativamente pequeno, possuía do melhor design escandinavo de 1920s a 1970s, entre outros ícones internacionais, sobretudo ao nível da cerâmica e do vidro. Os proprietários, uma simpatia, estavam radiantes com a recentíssima abertura do Museu do Design no CCB, uma coisa que consideravam extraordinária e rara na Europa. Tempos de optimismo esses. Foi aí que comprámos a presente Argenta. Já em Portugal, enviámos-lhes o catálogo (versão resumida) do museu. Agora têm uma loja maior numa outra zona de Estocolmo.
Na obra de Nils PALMGREN - Wilhelm Kåge. Stockholm: Nordisk Rotogravyr, 1953, a peça aparece retratada na pág. 111 e cuja fotografia aqui se reproduz.


terça-feira, 27 de março de 2012

Elefante art déco vidrado a cinzento, de Gilbert - Sacavém






Hoje apresentamos outra versão cromática do elefante de Donald Gilbert de ontem, embora este exemplar não apresente assinatura. A faiança recebeu uma pintura a aerógrafo que, ao contrário da versão a preto, não se apresenta totalmente uniforme. Assim, o cinzento que foi aplicado parece ter recebido uma segunda camada acastanhada, conferindo à peça uma textura muito particular, próxima da pele de elefante e que provocou escorrências que se acumularam no soco. Na base, carimbo castanho «Gilman & Ctª – Sacavém» sobrepujando «Made in Portugal» e impresso na pasta 83.
Data: c. 1930 - 35
Dimensões: comp. c. 30 cm x alt. c. 23 cm x larg. 10 cm

Salisbury, na leiloeira  Woolley & Wallis e que aqui se reproduz.


segunda-feira, 26 de março de 2012

Elefante art déco vidrado a preto, de Gilbert - Sacavém




Peça de faiança moldada e relevada, aerografada a preto mate, estilizada ao gosto art déco, em forma de elefante, de tromba levantada e barrindo, sobre soco com vegetação herbácea entre as patas. Impresso numa das faces laterais do soco: Gilbert Sc[ulpcit]. Na base, dois carimbos verdes «Gilman & Ctª – Sacavém», um sobrepujando «Portugal» e outro «Made in Portugal» e carimbo «Made in Portugal» inscrito numa oval. Impresso na pasta SACAVEM e CIF (?) 52.
Data: c. 1930 - 35
Dimensões: comp. c. 30 cm x alt. c. 23 cm x larg. 10 cm

(1900-1961), que estudou na Birmingham Central School of Art, no Royal College of Art e na Royal Academy, nasceu em Burcot no Worcestershire, filho do escultor Walter Gilbert. Muito influenciado pela estética art déco, trabalhou para várias fábricas inglesas, nomeadamente a Denby Pottery e a Ashtead Potters Ltd., para a qual produziu, nos anos 20, uma série de cinco figuras baseadas no célebre Livro da Selva, de Rudyard Kipling, sobretudo animais.
Edward Elgar, por exemplo.

O estudo da sua produção para a Fábrica de Loiça de Sacavém está por fazer. São conhecidos uma série de animais ao gosto art déco, de que já mostrámos um pombo, mas teremos oportunidade de mostrar mais alguns da sua produção dos anos 20-30. Conhecemos uma escultura de cria de leoa, a ouro, já dos anos 50, numa linguagem que perdeu força, que não teve para nós interesse. O Museu da FLS conta ainda com um nu feminino reclinado.
O elefante que hoje mostramos é um desses animais.
A questão que se nos coloca é se foram encomendas específicas da FLS ou apenas por ela reproduzidos.



sábado, 24 de março de 2012

Caixa art déco de Karl Tutter - Alemanha




Caixa de porcelana moldada e relevada, talvez um guarda-jóias, cor-de-rosa pastel com filetes a ouro contornando as saliências horizontais da taça e tampa assim como os rebordos das mesmas. A caixa foi concebida numa reinterpretação neo-rococó de concheados geometrizados dentro de uma estética art déco. Pega vegetalista (?) estilizada a ouro e taça assente sobre quatro pés ondulados igualmente realçados a ouro. Na base, carimbo verde da fábrica com leão sobre L.H.S. inscritos numa oval, rodeados por Hutschenreuther' e 'Selb Bavaria'. Por baixo,‘Abteilung für Kunst’ e, por cima, inscrito na pasta K. TUTTER.
Data: c. 1927 (carimbo 1920-1938)
Dimensões: 12 cm x 9 cm

 Segunda peça de Karl Tutter, sobre quem já aqui falámos, a 15 de Novembro do ano passado, será das mais eloquentes relativamente à sua vertente neo-rococó.



A voga neo-rococó na Art Déco alemã filia-se directamente nas gravuras de Jean-Baptiste Pillement (1728 - 1808), pintor e decorador francês, muito em popular na Europa do seu tempo, chegando mesmo a residir em Portugal onde deixou obra feita. Nela difundiu o gosto pela chinoiserie segundo a interpretação francesa rococó, termo que permanece nas línguas europeias. As suas ilustrações, desenhos e pinturas, fantasiosas combinações orientalistas de pássaros, flores e outros elementos da fauna e da flora onde evoluíam figuras humanas, amplamente divulgados em gravuras, inspiraram artistas, sobretudo nas artes decorativas. O período do primeiro Pós-Guerra vai recuperá-las, principalmente na Alemanha, agora revistas por uma sensibilidade moderna. Tal estética vai ter repercussões na arquitectura, decoração de interiores, cerâmica, tecidos, papéis de parede, etc..

Na caixa de Tutter, que aparece na página 30 do catálogo da fábrica, de 1927,  referenciada sob o número 0829/2, a porcelana foi trabalhada como talha, embora a geometrização das suas componentes tenha criado uma sucessão de dezasseis panos quebrados, regulares e simétricos, que convergem ora em direcção da pega, único elemento assimétrico do conjunto, ora em direcção à base suportada por quatro pés recortados. A tampa em si mesma, remete para um chapéu de chinês, revisto por Pillement, ao qual não falta sequer o penacho.
Apesar da sua pequena dimensão, é um objecto que, para além de refinado, alia a graça à monumentalidade, características, aliás, que são atributos do Rococó.

Mais uma vez focamos o aspecto, tão interessante nos objectos colecionáveis, que é a sua circulação. Esta caixinha criada na Alemanha e intacta na sua fragilidade foi parar a Tel Aviv. Por ironia? Por destino trágico? Neste momento mora em Lisboa. Definitivamente?


sexta-feira, 23 de março de 2012

Jarra Anos 50 – Aleluia-Aveiro




Jarra de faiança moldada e relevada, de forma orgânica, cuja cor verde-água do fundo, numa superfície aparentemente lisa, recebeu uma decoração a preto e ouro, que corresponde às incisões que definem o desenho perfeitamente regular e repetitivo. Assim, uma sucessão de doze verticais, que ora engrossam ora estreitam, a preto, envolvidas por linhas espiraladas a ouro, seccionam a espaços regulares a totalidade da peça. O interior, a preto mas esvanecendo-se em verde-água à media que se aproxima do fundo, destaca-se do bocal curvilíneo recortado de forma claramente assimétrica na diagonal e delineado a verde-água. Na base, carimbo castanho «Aleluia Aveiro» com um v ou L pintado à mão, a ouro, sobrepujando carimbo da mesma cor «Fabricado Portugal» inscrito num rectângulo, e, escrito à mão, a ouro, 712-A.
Data: c. 1955
Dimensões: alt. 35 cm x larg. c. 17 cm

A descrição formal com que habitualmente iniciamos cada post, é para nós um exercício de extrema importância, na medida em que nos auxilia a olhar e ordenar uma colecção que, dada a dimensão, começa a ser difícil de gerir em termos de inventariação e que a falta de espaço agudiza. Para mais, a organização das nossas fichas de inventário está em permanente actualização, conforme os dados que vamos recolhendo, seja em bibliografia, trocas de impressões com colecionadores e vendedores, centros de documentação de museus, internet, partilha na blogosfera, etc..

Em termos de forma e de características técnicas o exemplar de hoje aproxima-se da peça anteriormente mostrada. Seguindo o mesmo critério nela explanado, o número 712 corresponderá ao modelo e dimensão e o «A» à decoração.
Todavia, nela encontramos leituras outras que nos obrigam a tecer algumas considerações.
Por um lado, a organicidade da forma está em consonância com o dinamismo da decoração. Não existe tensão ou contradição entre ambas, antes complementaridade. À fluidez estrutural corresponde uma decoração fluida com algo que nos remete para um ambiente marinho, numa ondulação de algas acentuada pela cor do fundo.
Por outro lado, essas mesmas linhas ondeantes remetem-nos para a visualização do som e do ritmo que Walt Disney tão bem soube exprimir na obra-prima que é Fantasia (1940), na cena 9, em que é feita a apresentação da «banda sonora». Nela vemos uma sequência de cores e formas cujos ecos se vislumbram em grande parte da produção internacional de artes decorativas dos anos 50 até mesmo aos 70, e, obviamente, na produção cerâmica da Aleluia-Aveiro. Não nos podemos esquecer do fascínio que o filme exerceu nas sucessivas gerações que o viram. O encanto mantém-se intacto ainda hoje na era dos computadores e dos efeitos especiais.
Mas já Kandinsky tinha andado por ali, envolvido em cores e ritmos … e o mesmo ia fazendo Busby Berkeley no cinema musical.



quinta-feira, 22 de março de 2012

Jarra Anos 50 – Aleluia-Aveiro




Jarra de faiança moldada e relevada, de forma orgânica. A cor de fundo branca, numa superfície aparentemente lisa, recebeu uma decoração policroma, a preto, verde, encarnado e amarelo, que corresponde às diferentes incisões que na vertical definem caneludas contínuas, delineadas a preto, e que, na horizontal, a espaços irregulares delimitam o campo de cada cor. O interior, a preto, destaca-se do bocal curvilíneo recortado diagonalmente na peça e delineado a branco, numa simetria aparente. Na base, carimbo castanho «Aleluia Aveiro» com um x pintado à mão, a verde, sobrepujando carimbo da mesma cor «Fabricado Portugal» inscrito num rectângulo, e, escrito à mão, a verde, 684-A.
Data: c. 1955
Dimensões: alt. 34 cm x larg. c, 12,5 cm

O número 684 corresponderá ao modelo e dimensões, isto porque a peça idêntica, mas de menor tamanho, apresentada por CMP, tem o nº 683 e 25 cm de altura. Ambas têm a letra A que corresponde à decoração que partilham.

Mais uma vez nos interrogamos acerca de quem terá criado peças tão eruditas, estamos em crer que a partir de 1955, na Aleluia-Aveiro, dados os condicionalismos culturais e políticos do Portugal de então.
Concordamos com CMP quando refere as formas livres escandinavas, quanto à organicidade do modelo. O mais interessante quanto a nós no exemplar é a tensão entre essa organicidade escandinava e a influência do abstracionismo geométrico e do neoplasticismo de Piet Mondrian (1872-1944) e de Theo van Doesburg (1883-1931) veiculados na revista holandesa De Stijl. Esta jarra é um exemplo, quase diríamos clássico, da antítese entre a fluidez estrutural da forma e a necessidade vital do equilíbrio assimétrico preconizado pelo movimento De Stijl na decoração, embora as cores primárias aqui também sejam contrariadas pela presença do verde e não azul como seria de esperar.
O que para nós torna fascinante a cerâmica desta época é ter conseguido reunir e combinar elementos antitéticos como as formas orgânicas que a Arte Nova criara e a reacção das vanguardas da Bauhaus e De Stijl que se lhe opuseram virulentamente. Neste contexto, poderemos afirmar que uma certa estética “anos 50” é eclética. Para não causar mais ruído, não referimos a organicidade de certo design italiano da década de 40, que recupera linguagens do princípio do século antecipando a década seguinte.
Claro está, tal como CMP também refere, esta produção nacional para consumo interno era diminuta face às peças mais tradicionais que dominavam um mercado conservador e maioritariamente inculto.



terça-feira, 20 de março de 2012

Jarra «toupie» cesto de flores art déco - Longwy



Mais uma das jarras da Fábrica de Faiança de Longwy da forma «toupie» (pião), de tamanho médio. Se na peça mostrada no post de 22 de Fevereiro passado, o bojo era cingido pela presença de oito cestos de flores estilizados, no presente exemplar, todo o bojo é tratado como um único cesto de flores. Assim, o friso redondo, enquadrado por linhas vermelhas, apresenta uma quadrícula larga formada pelo cruzamento, na diagonal, de linhas da mesma cor, numa estilização de entrançado de cestaria, de onde partem flores policromas estilizadas ao gosto art déco, que se erguem até cerca de 1/3 da altura da peça nas 8 faces superiores, rematadas por linha vermelha ziguezagueante. Os ângulos são acentuados pela presença de linhas verticais igualmente vermelhas. Tudo segundo a técnica da corda seca sobre fundo craquelé marfim. Bocal saliente a azul forte. Na base, carimbo redondo com escudo e coroa Longwy, da "Société de Faïenceries" "LONGWY "- France e, inscrito a preto, D5056 (decor). Pintado à mão 34. Inscrito na pasta n° 3062 (forma)
Data: c. 1925-30
Dimensões: alt. 25 cm x diâm. máximo 21 cm

segunda-feira, 19 de março de 2012

Conjunto de base para bolos e caixa boleira art déco modernista com motivo de folhas, Wächtersbach - Alemanha


Caixa (boleira) e base para bolos de faiança moldada e relevada, com decoração estampilhada e aerografada, dentro de uma gramática art déco alemã e do funcionalismo da Bauhaus.
Ambas as peças apresentam composição central de folhas estilizadas, círculos e segmentos de recta sobre dois traços paralelos esfumados, a amarelo e verde, decor nº 3621. Enquanto na superfície restante da base de bolos é toda num sfumato verde pastel, tendo as asas um toque de amarelo, na caixa, embora o tratamento seja idêntico, as faces laterais apresentam dois traços iguais ao da composição principal, e na tampa esses mesmos traços formam dois ângulos salpicados por círculos laranja.
Na base do prato para bolos, inscrito na pasta, o escudo listrado da manufactura de Wächtersbach e DRK8 seguido de 2, mais ténue, depois 9 (?) mais vincado e 3 novamente mais ténue. Carimbo azul com Dec.3621 e 23.
Na base da boleira, inscrito na pasta, o mesmo escudo e 8218 (forma) Carimbo azul com Dec.3621 e 20.
Data: c. 1932
Dimensões da base de bolos: diâm. c/pegas 41,5 cm
Dimensões da caixa: comp 25 cm x larg 11,5 cm x alt 12 cm




Fundada em 1832 pelo príncipe de Isenburg-Wächtersbach, a Wächtersbacher Steingutfabrik G.m.b.H. - fábrica de cerâmica em Schlierbach perto de Wächtersbach, ainda hoje está em funcionamento, tendo sido adquirida pelo grupo Könitz, em 2006. Turpin Rosenthal é o novo dono e continuador do sucesso da empresa.
Foram várias as vicissitudes por que passou ao longo destes quase 200 anos de produção. No período que nos interessa e como consequência da I Guerra Mundial o departamento de arte da Wächtersbach encerrou até 1923.
Embora a utilização da decoração a aerógrafo já fosse utilizada na fábrica desde os inícios do século XX, só a partir de 1927, e sobretudo no ano seguinte, a fábrica começou a explorar comercialmente os efeitos decorativos do esfumado da pintura aerografada, na gradação de cores e novos efeitos estéticos, como elementos em degraus e/ou lineares, destacando-se as composições decorativas geometrizadas. A fábrica seguia, assim, as formas recentes e padrões da tendência geral do design Art Déco aliada à tendência do funcionalismo-construtivista ligado à Bauhaus.
Por um lado é surpreendente a abundância das composições decorativas a aerógrafo aplicadas em formas de uso quotidiano mais decorativo, como jarras, boleiras, pratos para bolos, etc.. Isto porque serviam sobretudo para estarem expostas na sala de estar, enquanto arte moderna. Pelo contrário, os projectos mais vanguardistas, de teor construtivista, aplicados nos serviços de mesa, por exemplo, terão tido menor sucesso comercial junto das massas consumidoras, pelo que, na fábrica, receberam decorações mais simplificadas e lineares.



No início da década seguinte, em 1931, a célebre designer alemã Ursula Fesca (1900-1975), renova e dirige a produção da fábrica, explorando novos caminhos. É desta fase que datam as peças que hoje apresentamos, mantendo as cores pastel e a linearidade anteriores na decoração base, mas com composições vegetalistas estilizadas bem definidas pelo recorte da estampilha, muito ao estilo das criações da nova directora. Estas tendências vão sendo abandonadas ou domesticadas depois de 1933, mas sobretudo a partir de 1935, com o aumento da produção da pintura de flores mais convencional e de padrões considerados mais “dignos” pelos nacionais-socialistas.
Tendo sofrido com a II Guerra Mundial, a fábrica encerra em 1944 para reabrir, dois anos depois, continuando em funcionamento até hoje como já referido.


sábado, 17 de março de 2012

Jarra art déco Boch Frères Keramis - Bélgica




Jarra de faiança moldada, de forma ovóide e bocal saliente, de esmalte craquelé branco com decoração policroma de motivos geométricos que se estilhaçam sobre a superfície numa composição art déco de grande dinamismo, segundo a técnica da corda seca. Trata-se da forma nº 975 e da decoração nº 1210. Na base, sem marca, D. 1210 a preto e 15 a cinza, escritos à mão.
Data: 1928
Dimensões: alt. 30 cm

Em 2001, Bruxelas, apesar de ser Outono, estava cheia de sol. Junto ao Sablon, encontrámos uma loja especializada em cerâmicas Boch Frères Keramis, mas que também vendia outras marcas belgas e europeias. Uma tentação para os sentidos, e nós perdidos naquele fio de tempo pleno de memórias lamentando não ser ricos como o americano que levava um caixote repleto das mais espectaculares obras saídas do Atelier de Fantaisie de Charles Catteau.
Saímos com duas peças. Já não foi mau.

A produção da Manufactura Boch Fréres Keramis produziu das mais deslumbrantes e originais peças do período art déco, em faiança e grés, tendo também produzido vidros decorativos. 
As suas peças craquelés esmaltadas em cloisonné, influenciadas pela produção de Longwy, são de uma enorme riqueza formal, sendo mais criativas, inovadoras e diversificadas, sem, todavia, atingirem a perfeição técnica desta. Já no grés a conversa será outra.



Charles Crépin Nicolas Catteau (1880- 1966), nasceu em Douai, em França, de pai belga. Faz a sua formação na Manufactura Nacional de Porcelana de Sèvres, onde se tornará decorador a partir de 1902. Dois anos depois é contratado pela Manufactura de Porcelanas de Nymphenburg, perto de Munique, que abandona em 1906 dado ter sido convidado para trabalhar na Manufactura Boch Fréres Keramis, em La Louvière, Bélgica, como criador de formas e decorações. Contudo, rapidamente se desdobra em professor, químico, engenheiro, director artístico e coordenador de boa parte da produção da Boch Frères.

Entre 1920, quando cria ou reformula o atelier artístico da fábrica, o Atelier de Fantaisie, e inícios de 1940, concebe ou está intimamente associado à criação de mais de 2300 decorações e de cerca de 550 formas, não só produções próprias do seu atelier de arte cerâmica mas também outras produções da manufactura.
Em 1954 abandona a empresa onde era director artístico. A sua carreira acaba nas fábricas cerâmicas de Orchies e Fives-Lille, em França.


quinta-feira, 15 de março de 2012

Jarra art déco com dançarina egípcia – Fructuoso Coimbra




Jarra de faiança moldada, de forma ovoide de cor amarela, tripartida pela presença de asas e pés escalonados, a preto, que intercalam com 3 dançarinas ao gosto art déco neo-egípcio, em silhueta, estampilhadas a preto. Motivos curvos, a ouro craquelé debruados a preto, junto à curvatura da base. Assinado Fructuoso Coimbra, na base.
Data: c. 1930-40
Dimensões: alt. 18 cm

Em 1997, quando a comprámos na feira de velharias e antiguidades que então se realizava no Forum Picoas, não tínhamos muito a noção de como o neo-egípcio pouca expressão tinha tido em Portugal e ainda menos no período art déco. Da escassa produção cerâmica deste período cujos motivos neo-egípcios podem ser mais ou menos evidentes (já aqui apresentámos uma jarra da Vista Alegre onde referimos essa inspiração na decoração), são exemplos a «Bailarina» de Alberto Morais do Vale, que aqui ilustramos, mas que infelizmente não possuímos, e a presente jarra. Neste sentido, esta peça é referenciada no artigo de Celina Bastos e Rui Afonso Santos – Egiptomania em Portugal: Das artes de cena à decoração de interiores. In Margens e confluências: Um olhar contemporâneo sobre as artes, nº 7 - 8. Guimarães: ESAP, Dezembro 2004, p. 61 – 71, que, não pode à altura apresentar fotografia visto que a que cedemos tinha pouca qualidade.

Além da influência neo-egípcia, aqui revista pela óptica do cinema de Hollywood – as bailarinas, quais pin-ups glamorosas de um filme musical, elevam-se em sincronia contra um fundo amarelo de pôr-do-sol no deserto, pairando sobre dunas que espelham a ardência solar -, há também uma insinuação de outro exotismo. O exotismo das civilizações pré-colombianas reflectido nos degraus dos pés e asas.
Fructuoso mostra ainda ter conhecimento das tendências modernas do design e do grafismo da sua época. Compare-se a peça com a base da jarra tubular, editada cerca de 1930 por Lusca, com pés em degraus muito semelhantes.
Notável a complexidade semântica de uma peça que diríamos quase banal e de gosto popular.


Deste Fructuoso que assina a peça pouco sabemos. Já a propósito dos comentários (aqui está a jarra prometida, Hugo) relativos à Estatuária de Coimbra se levantaram muitas questões que, quanto a nós, continuam em aberto. Teria o dito Fructuoso um atelier próprio? Mais uma vez, agradecemos antecipadamente qualquer informação adicional. Quanto a nós é de duvidar que esta jarra tenha a ver com a "Coimbra Frutuoso", localizada nas Lajes. Mais uma vez, socorrendo-nos de uma análise meramente formal, decoração e forma, remetem-nos, para década de 1930.