quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Uma jarra Aleluia-Aveiro surpreendente




Jarra esférica com colo alto e gargalo saliente com duas pegas. Na base, pintado à mão, 58 A Aleluia Aveiro e Made in Portugal.
Data: c. 1935-45
Dimensões: alt. 16,5 cm x larg. c. 14 cm


Curiosamente, e de forma surpreendente, a pequena jarra de gosto popular que podemos inserir no contexto da art déco em Portugal, uma de um par, parece revelar influências da arte cretense ou micénica! Na realidade, muita da produção da fábrica Aleluia – Aveiro da década de 30 do século XX remete, quer pela paleta cromática, quer pelas formas, quer por determinados motivos, para esta influência, ou da Grécia antiga. Contudo, a peça ilustrada, a um olhar mais atento, acabou por se revelar particularmente interessante, porque, e quase paradoxalmente, ilustra bem como influências da Europa Central foram assimiladas na cerâmica portuguesa no período de entre guerras. O seu pintor, claramente sem formação, e de traço ingénuo, apropriou-se da decoração de uma jarra criada por Kurt Klaus para a fábrica de Ernst Waliss em Viena, cerca de 1910, embora simplificando-a e adaptando-a a uma outra forma. Vimos um exemplar em exposição no Museu Bröhan de Berlim, de cujo catálogo retirámos a fotografia aqui representada.



Na peça vienense, com uma vaga forma de cantil, sente-se a influência da pintura de Klimt: um mesmo motivo repete-se em ambas as faces, representando duas jovens elegantes, de imensos vestidos escuros que ocupam metade superfície decorada, uma tocando flauta, outra apreciando a música e os odores da sobrecarregada natureza primaveril que as rodeia. Apesar da profusão de cores, um ambiente de tranquila melancolia percorre a cena. As molduras que a enquadram são preenchidas com motivos ondeantes e florais e, na base com flores-de-lis estilizadas. Esta separação é evidenciada pela própria forma.
A jarra Aleluia, globular, apresenta um esquema compositivo semelhante, repetido em ambas as faces, mas de maior estilização. Das duas figuras restou uma única, a da tocadora de flauta, que agora se abana com um leque e cujo vestido, igual, se avolumou ao ponto de ocupar também a metade inferior da peça. O colorido restringe-se à paleta de castanhos e negros, sobre base creme, habitual na produção da fábrica à época. A flexibilidade aristocrática do modelo cede lugar a uma rigidez provinciana. O fundo manteve-se profusamente preenchido, aqui reduzido a uma fina filigrana de ramagens curvilíneas cor de mel sobre o creme base. Lembra fundos idênticos de peças, desta vez alemãs, também de princípio do século.
As molduras reduziram-se a duas faixas laterais pretas, realçadas apenas por duas linhas ondeantes, separando claramente as duas faces. Só na faixa junto à base se manteve o motivo da flor-de-lis da imagem modelo.

Sem comentários: