domingo, 19 de agosto de 2012

Bases de candeeiro art déco com motivos folclóricos - Sacavém



Par de bases de candeeiro de cerâmica moldada e relevada, de cor creme, em forma de balaústre com friso policromo com motivos populares regionais. Na base, carimbo azul Gilman & Ctª – Sacavém Portugal. Em relevo na pasta nº 380.
Data: c. 1930 - 40
Dimensões: alt. 13,5 cm



Apresentamos fotografia antiga, proveniente do acervo do Centro de Documentação do Museu de Cerâmica de Sacavém (MCS-CDMJA), cuja colaboração agradecemos, onde surge com a designação de «jarra para candeeiro com figuras regionais»,. A peça aparece referenciada sob o nº 380 nas tabelas de preços de faianças decorativas, 1945-1966. Na tabela de 1945, consta a designação de «jarra candeeiro, formato regional». Tal como acontecia com a fotografia do peixe do “Pintor Reis” anteriormente postada, também no verso desta aparece a nota: «Enquiry from: Cape Town». As questões que então levantámos mantêm-se.


 Já aqui havíamos mostrado uma peça em que o folclore como leit-motiv para a arte moderna foi utilizado. Tratou-se da placa cerâmica com vendedor de peixe da Fábrica Lusitânia de Lisboa que hoje voltámos a repescar a propósito do tema e porque encontrámos um postal ilustrado que lhe terá servido de modelo.


O folclore é um dos elementos constitutivos da modernidade. Se vai ser fonte de inspiração para a geração do primeiro modernismo português (caso de Sousa Cardoso, Viana, Almada, …), em consonância com os demais movimentos artísticos europeus, graças às especificidades culturais e políticas do nosso país, eterniza-se até aos inícios da segunda metade do século XX.


Datado de 1923, um friso decorativo policromo, da autoria de Bernardo Marques, correndo as paredes junto à sanca de uma sala da casa de António Ferro e de Fernanda de Castro, na antiga Calçada dos Caetanos (desde 1963 Rua João Pereira da Rosa), trazia para um interior, que se pretendia actual, a temática estilizada de danças populares (ver foto). Os motivos populares já então eram vistos por Ferro como elementos de afirmação nacionalista. Para o futuro ideólogo da «Política do Espírito» do consulado salazarista, o folclore devia ser fonte inspiradora de modernidade para os artistas nacionais, que assim seriam «modernos sem deixar de ser portugueses». A cultura com António Ferro era simultaneamente um veículo de propaganda e um instrumento de controlo social. «(…) a sua principal preocupação não era a criação e difusão das ideias do regime, mas a criação de meios de ocupação dos "tempos livres" dos portugueses. Estes constituíam um tempo potencialmente perigoso para o poder se não fosse organizado. A contribuição mais significativa de António Ferro foi, (…), ter mostrado que as múltiplas manifestações culturais podiam ser organizadas de modo a predisporem os indivíduos para certas formas de comportamento e pensamento espontâneo. (…) A [sua] grande promoção cultural centrou-se contudo em volta da cultura popular, que tinha nas romarias, arraiais e feiras a (…) expressão mais genuína. (…) procurou criar uma grande encenação não apenas para os estrangeiros, mas sobretudo para consumo interno. Uma vasta equipa de artistas e intelectuais, (…) ao longo dos anos (…) foi pacientemente reelaborando as grandes manifestações populares em termos plásticos mais modernos, apresentando-as em seguida como expressões genuinamente populares. Fragmentos de memórias locais são pretexto para a criação de tradições centenárias. A confusão entre o falso e o autêntico era total. A promoção da cultura erudita junto do povo, foi neste contexto limitadíssima, pois a mesma correspondia a um desvio à integração do povo numa cultura popular que se lhe apresentava como exaltante.» (Para mais ver aqui)

O friso que encontrámos na casa de António Ferro, com a sua estética art déco de raiz folclórica, está na génese de todo um gosto estético que perdurou décadas na arte feita em Portugal, sobretudo nas chamadas artes decorativas.

Segundo Rui Afonso Santos, a primeira tentativa de introduzir vidros pintados com motivos folclóricos feita pelos artistas plásticos Sarah Afonso, Ofélia e Bernardo Marques, apresentados no II Salão de Outono organizado pela revista Contemporânea, faz-se em 1926. Contudo, sem sucesso. Já os jarros e copos de água desenhados e decorados por Jorge Barradas, a partir de 1929, para a CIP - Companhia Industrial Portuguesa, na Marinha Grande, teve tanto êxito que, no ano seguinte o mesmo artista vai conceber uma linha de jarras também com motivos do folclore nacional para decorar os quartos do Palace Hotel do Estoril que então abria portas. Os consumidores mantiveram-se fiéis a estes motivos e, ainda em 1941, Jorge Barradas desenhava vidros com a mesma temática. Veja-se o copo «Algarve».


Tal sucesso motivou um surto de objectos utilitários e decorativos de temática folclórica em diversos suportes, do vidro à cerâmica, do ferro forjado à ourivesaria, feitos por outros autores que, com maior ou menor criatividade, cimentaram um gosto que se manteve até, pelo menos, aos anos 60. Isto para não falar das artes gráficas onde a temática remontava à primeira geração modernista. Deixamos aqui alguns exemplos ilustrativos, sendo a maioria dos vidros da Marinha Grande (esta matéria daria um blogue interessante, mas não temos disponibilidade para o fazer).


Em relação a Piló [Manuel Júlio Piló Santos (1905-1988)], cuja série de desenhos criados em 1935 darão origem a uma colecção de postais, decorarão vidros fabricados pela CIP e porcelanas da Vista Alegre e mesmo pratas, a ele haveremos um dia de dispensar maior atenção.


2 comentários:

CMP* disse...

Olá AM-JMV,
Mais artigos destes, por favor!
:)

AM-JMV disse...

Olá CMP.
Tomamos como um elogio o seu comentário. Muito obrigado. Umas vezes as peças "dão-nos corda", outras, não. De qualquer maneira, este blogue é apenas um passatempo para darmos ordem às colecções. :)
Cumprimentos