sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Caixa oitavada Villeroy & Boch – Bonn - Alemanha


Caixa art déco de faiança moldada, oitavada, com decoração regular abstracta, de pendor vegetalista, estampilhada e aerografada, a verde, azul e preto sobre branco. O mesmo desenho repete-se, com as cores verde e azul alternadas, em cada uma das faces, e os ângulos, em cima e em baixo, são marcados por elementos a preto. A tampa é quadripartida visualmente por ornamentos com as mesmas cores alternadas. No fundo da base carimbo castanho «Villeroy & Boch» «Bonn» e, a preto, «D.1134.» sobrepujando «23». Inscrito na pasta «3211», «14» e FA».
Data: 1920 - 1925
Dimensões: Alt. 7 cm x Ø 11 cm


O desenho encontra-se perfeitamente delineado pelo recorte de cada uma das estampilhas, com cada cor uniformemente aplicada a cada um dos elementos compositivos, que assim se recortam claramente sobre o branco de fundo. Como já aqui escrevemos, esta solução não parece ser muito frequente nas decorações alemãs, aproximando-se mais das congéneres francesas.

Na repetição simétrica e regular de cada uma das partes vagamente vegetalistas, que diríamos lotiformes para os elementos centrais de cada face, há uma sugestão de agitação, sobretudo na composição que preenche a tampa, com um movimento rotativo em torno de um eixo central, em gironado, como se diz em heráldica.

É no reconhecimento desta dinâmica que, a nossos olhos, se vê a herança do Futurismo, em particular nos trabalhos do pintor italiano Giacomo Balla (1871 – 1958), ou mesmo de Fortunato Depero (1892 – 1960). Mais um exemplo da adaptação das vanguardas artísticas à estética art déco alemã.


Quando vimos a caixa à venda veio-nos de imediato à memória a exposição «Futurismo & Futurismi» que, com grande pena nossa, falhámos no Palácio Grassi, em Veneza, em 1986. Como compensação vimos a exposição «Arte Italiana: Presenze 1900-1945» que tinha várias obras futuristas, entre os quais Balla, no mesmo Palácio Grassi, em 1989. Um portento. Comprámos ambos os catálogos.

A Villeroy & Boch compra a fábrica de faiança de Franz Anton Mehlem, em Bona (Bonn), quando a região do Sarre, onde se localizavam as suas unidades fabris de Mettlach e Wallerfangen, foi concedida à França, em 1918, na sequência da Grande Guerra. Esta fábrica funcionou de 1920 a 1931. No entanto, a partir de 1925 abandona a produção industrial de cerâmica utilitária e decorativa para passar a produzir peças sanitárias. A Grande Depressão levou ao seu enceramento.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Jarra cónica da Villeroy & Boch – Wallerfangen - Alemanha

Como há algum tempo não postamos nenhuma peça da nossa colecção de faianças aerografadas (spritzdekor na expressão alemã que tanto gostamos), hoje retomamos o tema com uma peça, em nossa opinião, de forte presença decorativa e estimulante modernidade avant-garde.


Jarra de faiança moldada, em forma de cone invertido, canelado junto ao bocal, assente sobre pé circular saliente e escalonado. Decoração estampilhada e aerografada, a mate, com motivos geométricos, de tons pastel (verde-claro, amarelo e castanho) em esfumado. No fundo da base, carimbo circular preto «VB-Villeroy & Boch» sobrepujando «Wallerfangen». Também carimbado a preto «2782YG» e, inscrito na pasta «588».
Data: c. 1929
Dimensões: Alt. 20 cm x Ø 19 cm (bocal)


O abstracionismo geométrico da decoração aposto à forma bauhausiana desta jarra é bem o exemplo de como a art déco alemã da República de Weimar, a partir de finais dos anos 20, adaptou o trabalho das vanguardas artísticas de modo a poder ser apropriado pelas classes populares.

Fascina-nos este ideal democratizador que, por um curto período, percorreu a Alemanha de então – no caso, a produção desta unidade fabril da V&B de Wallerfangen terminou em 1931, por encerramento da fábrica.


Já não é o luxo dos objectos que está em causa nesta art déco para produção em massa, mas sim a sua qualidade plástica, que vai ser apreciada transversalmente pelas diversas classes sociais germânicas. Antes, ainda, da crise económica de 1929, impunham-se formas e decorações modernas em materiais acessíveis, de que é exemplo a faiança, que concorria agora em pé de igualdade com a própria porcelana, como já tivemos oportunidade de escrever.

sábado, 6 de agosto de 2016

Jarra modelo 148-C - Aleluia - Aveiro


Jarra de faiança moldada, piriforme, com decoração pintada à mão. O bojo pronunciado é pintado no fundo a verde, cor sobre a qual “pende”, como uma cortina de recorte branco debruado a preto, decoração com arabescos neo-renascentistas a branco, realçados a acastanhado e amarelo, em fundo avinhado, que enquadram três medalhões polilobados, orlados a amarelo e acastanhado delineados a preto, que envolvem um cravo aberto cor-de-rosa sobre o qual evoluem enrolamentos de folhagem e outra flor da mesma espécie a abrir. Estrangula num anel relevado preto, de onde parte o gargalo lotiforme, rosa-avinhado em esfumado. O branco do interior morre no bocal curvo debruado a preto, cor também do pé. No fundo da base, carimbos a preto, um circular sobre rectângulo «Aleluia-Aveiro», com algo indecifrável no centro, sobrepujando «Pintura manual» e «Portugal». Pintado à mão, a preto, «148 – C».
Data: c. 1945 - 50
Dimensões: alt. 29 cm


Já aqui tínhamos postado, em 5 de Outubro de 2013, uma jarra modelo 148 mas complementado pela letra «X», correspondente a uma das últimas decorações aplicadas a esta forma.

Tal como então dissemos, no catálogo de loiças decorativas de inícios dos anos 40 a forma nº 148 aparece-nos ilustrada com as decorações «A» e «B», as duas primeiras de toda uma série. Pela lógica sequencial a que hoje se apresenta corresponderá à terceira aplicada a este modelo. Uma outra decoração com cravos já se fazia anunciar num modelo (79-B) mais pequeno no referido catálogo.

A sua decoração é muito eclética nas referências. Um ecletismo tardio e conservador. Encontramos nela laivos de grotescos neo-renascentistas nos arabescos que enquadram os medalhões com sugestões florais ainda de uma certa tradição Arte Nova que Aleluia-Aveiro cultivou até tarde. Depois, em termos técnicos, temos a pintura manual da quase totalidade da peça, excepção feita no gargalo que aparece finamente esfumado a aerógrafo. Digamos que se trata de uma decoração “reacionária” e, não fora tê-la encontrado na Bélgica, talvez nem a tivéssemos adquirido. Mas as colecções também são feitas de acasos, ou de afectos, e neste caso comprámo-la apenas pelo prazer de fazer regressar a casa mais uma peça portuguesa.

Se a memória não nos falha, já por aqui teremos escrito, citando Marc Guillaume, que “conservar é lutar contra o tempo”. Porque está subjacente ao acto de coleccionar o facto de se preservar, sentimos que contribuímos, à nossa pequena escala e parcos recursos, para mantermos acesa essa referência à memória e sentimento de posse colectivos. É que muitas colecções privadas contribuíram no passado, e continuam a contribuir ainda hoje, para dar origem ou engrossar acervos públicos ou de acesso público, ou para integrar exposições temporárias temáticas.


O futuro ditará o destino desta nossa colecção. Talvez nem assistamos ao desfecho, mas gostaríamos que pudesse um dia vir a integrar uma colecção pública. Estamos em crer que contribuiria para um melhor conhecimento da cerâmica decorativa e de uso quotidiano produzida no nosso país na primeira metade do século XX. Um olhar pessoal, certamente, mas será pela soma das partes e pelas diferentes leituras que cada um faz individualmente, que poderemos ter uma melhor interpretação do todo.

Como vivemos inseridos no contexto específico europeu, a transversalidade cultural reflectida nas demais produções deste continente no mesmo período cronológico é absolutamente fundamental para o entendimento geral e daí a nossa preocupação em ir pontuando o nosso acervo com exemplares de outras nacionalidades. É conhecendo os outros que também nos vamos conhecendo a nós próprios.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Jarra e azulejo “O Vira” Marinha Grande e Aleluia Aveiro

A propósito da nossa interacção com outros blogues, hoje fazemos um pequeno desvio na apresentação de peças da nossa colecção de cerâmica nacional para mostrar, a propósito de uma peça desse material postado por MAFLS, um azulejo da Aleluia-Aveiro, que aqui se reproduz, embora em imagem manipulada, como contraponto a uma jarra da nossa colecção de vidros nacionais.


Trata-se de uma jarra esférica de vidro irisado, modelo “O Vira”, com decoração esmaltada policroma representando quatro pares de figuras do folclore nacional dançando o vira, da autoria de Vera, fabricado pela NF [Nacional Fábrica de Vidros da Marinha Grande]. No catálogo nº 35 da CIP [Companhia Industrial Portuguesa – Vidros cristais], de 193-?, na página 63 aparece representado outro desenho idêntico desta autora com a referência DF. 283.
Data: c. 1932
Dimensões: alt. 24 cm

Estamos em crer que o desenho do azulejo da Aleluia-Aveiro poderá corresponder à mesma mão ou ter-se inspirado naqueles. Todavia, e dado não termos tido acesso directo ao referido azulejo, também não será de menosprezar a possibilidade de ser seu autor Joaquim Correia, outro artista que concebeu, também para a fábrica de vidros da Marinha Grande, temas do folclore nacional, num grafismo muito semelhante, incluindo a dança do vira, por volta dos anos 30-40.

O sucesso desta temática foi tal que desenhos dessa época se mantiveram em produção até, pelo menos, à década de 1960.

Ver sobre o tema o que escrevemos no post de 19 de Agosto de 2012.

domingo, 10 de julho de 2016

Cesto para pão - Carstens-Uffrecht - Alemanha


Cesto para pão de faiança moldada, de forma oblonga contracurvada numa forma próxima de um 8, com asa de verga. Exterior e covo de cor creme, com o interior da aba com escorridos cor-de-laranja, de esmalte à base de urânio, em dois tons. No fundo da base carimbo triangular preto da manufactura Carstens-Uffrecht, sobrepujando «DEK. 6». Carimbado «Form 409» no alinhamento do vértice do triângulo.
Data: c. 1930
Dimensões: Comp. 26,5 cm x Larg. 16,5 cm x alt. 6 cm (c. 16 cm com asa)


Não seria o tipo de peça que comprássemos mas foi-nos oferecida por uma alemã vendedora de velharias, por lhe termos adquirido três jarras da mesma fábrica e série. Todavia, veio a revelar-se-nos particularmente interessante pois assemelhava-se a peças que conhecíamos de fotografias da produção da fábrica portuguesa do Carvalhinho, disponíveis no Museu de Cerâmica de Sacavém - Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso, a quem agradecemos a cedência das imagens.


Acresce também que, em 22 de Maio passado, o blogue CMP - quem nos segue sabe que gostamos de interagir com outros blogues congéneres, e em particular com este - postou um interessante artigo sobre a produção Carvalhinho, pretexto também para o Moderna Uma Outra Nem Tanto avançar com a sua própria reflexão. Tanto mais que essa produção nacional, um pouco mais tardia, reflecte, uma vez mais, a influência do que se fazia na Alemanha nos inícios dos anos 30 e mesmo no pós-Guerra. Tudo em consonância com o que temos vindo a revelar neste blogue.

A aquisição de peças ou recolha de imagens de várias fábricas alemãs no período que mais nos entusiasma, o de Entre Guerras, origem de tantas formas e decorações de produção nacional, é um dos objectivos da nossa colecção como já terão percebido. Auxilia-nos, de facto, a melhor compreender, a vários níveis, a produção nacional e até a própria mentalidade vigente no Portugal de então.

Apresentamos uma análise visual comparativa onde peças da produção da Fábrica Carvalhinho são postas em confronto com outras idênticas, ou variantes de diversas fábricas alemãs (Bückeburg; Carstens; Dümler & Breiden; Jasba; Schmelzer & Gerike; Villeroy & Boch).


Observa-se que há toda uma linguagem familiar, art déco de inspiração bauhausiana, aplicada a objectos que, mesmo com funções totalmente diferentes, remetem para formas semelhantes. Também as decorações a aerógrafo ou de escorridos concorrem nesse sentido. É o caso da caixa Carvalhino que se aproxima formalmente do aquecedor para bule de chá da Carstens.


Se não serão exactamente iguais, é apenas porque não conhecemos, ou não tivemos acesso a imagens que ilustrem a totalidade da criação alemã, pois temos a certeza (quase) absoluta que os arquétipos germânicos existem.

domingo, 12 de junho de 2016

Jarra canelada marmoreada – Lusitânia-Coimbra


Jarra de faiança moldada, em forma de granada ou de barrica canelada na horizontal, assente em pé saliente, com decoração marmoreada, a verde que alastra como óleo sobre creme-amarelado, com lustrina, que lhe dá um efeito suavemente irisado. No fundo da base, carimbo estampado verde, pouco legível, «Lusitânia – ELCL (?) – Coimbra – Portugal»
Data: c. 1930 - 40
Dimensões: Alt. 15,5 cm


 A forma será resultado da importação de modelo estrangeiro, dentro da gramática art déco modernista.


Um tipo de decoração marmoreada semelhante, com outra cor e expressão, foi mostrado
(1 de Dezembro de 2011) neste blogue a propósito de uma peça de Sacavém, que, então, incorrectamente datámos entre c. 1910-18. Hoje inclui-la-íamos na mesma cronologia desta jarra Lusitânia, tal como a jarra da francesa Onnaing que se ilustra, retirada da net (leilões eBay-Fr). Poderá ser esta produção francesa a estar na génese do exemplar de Sacavém, embora este tipo de efeitos tenha sido explorado em diversas fábricas de cerâmica de distintos países. O resultado “mancha de óleo” obtido pelo acaso da dissolução dos pigmentos sobre a cor base da peça é muito semelhante aos obtidos no papel marmoreado, de que se dá também exemplo infra. 


domingo, 29 de maio de 2016

Velador orientalista “garçonne et prince oriental”- Limoges, França


Peça de porcelana moldada art déco, policroma, representando um par do Próximo Oriente, de pé, com a figura masculina abraçando uma bailaria, dentro da moda “garçonne et prince oriental”. As carnações das duas figuras são ligeiramente rosadas. O homem tem barba preta e veste túnica, com capuz caído sobre as costas, de cor marfim forrada a vermelho, com motivos florais estilizados igualmente a vermelho e preto, sobre veste amarelo-torrado. A cabeça apresenta-se coberta por outro capuz, de cor marfim, decorado com motivos geométricos das cores da túnica. A figura feminina, com cabelo à garçonne apresenta-se de frente, tronco nu, com calças de balão de base marfim listradas verticalmente a ouro e verde, presas à cintura por uma faixa negra. Na mão, pendente, um leque. No fundo da base «Limoges» e assinado «Rauche». Instalação eléctrica de origem.
Data: c. 1925-30
Dimensões: alt. 31cm x larg. 13cm


Na teatralidade da representação, do gesto, a figura masculina protege e deseja a frágil jovem. Terá servido para iluminar qualquer câmara mais íntima, um quarto, talvez, de um apartamento burguês nos anos 20 ou de inícios de 30, ou de um lupanar sofisticado. Fantasia, romance, sedução, desejo, num ambiente saturado de sedas e brocados, perfumes inebriantes… tudo conjugado para uma noite memorável a dois ou será apenas ilustração de um sonho solitário de celibatário? Tantas possibilidades…

A ideia romântica que o Ocidente concebeu das «Mil e uma noites», exacerbada depois no cinema, com filmes como «The Skeik», deu origem a todo um imaginário de liberdade e fantasia que pouco estava em consonância com a realidade.

O Orientalismo foi uma moda dentro da pintura de género que atravessou o século XIX, reforçada pelas campanhas de Napoleão e que culminou com a descoberta do túmulo de Tutankamon em 1922. Um fascínio pela civilização desaparecida do Egipto Antigo misturava-se – ou emparceirava - com o mundo muçulmano. A Sublime Porta, a mítica Istambul, essa passagem entre dois mundos, horizonte recortado de cúpulas bizantinas e de émulas otomanas acrescidas de minaretes, era ainda Europa mas tinha tudo já de outro continente e de outra civilização. O exotismo de uma Ásia que alastrava pelo Sahara escaldante do Norte de África até encontrar o Atlântico. O Próximo Oriente circundava a margem sul do Mediterrâneo e esse fervilhante mundo outro, estendia-se de Marrocos à Pérsia. A expansão do Islão difundiu por todo esse vasto território certos usos e costumes, maneiras de vestir e arquitecturas. Por ser demasiado misterioso e ambíguo, terras de desertos sem fim, por vezes tão sem horizonte como um oceano, o Ocidente olhou para ele como se se tratasse de um todo uniforme com pequenas variantes.


O fascínio pelos espaços infinitos de paisagens inóspitas mas hipnóticas, ausentes de verde mas ricas na paleta de ocres. Ergs e hamadas, com ou sem ouadis, formam os desertos. Essas paisagens dunares ou pedregosas remetem para mil aventuras. Aí, encontrar ou não um poço de água ou um oásis verdejante de tamareiras e sicómoros, pode fazer a diferença entre a vida e a morte, mas na ficção os heróis sobrevivem sempre e no fim têm a princesa ou o príncipe encantado dos seus sonhos nos braços. É que Xerazade, Aladino, Ali Babá, Sinbad, tapetes voadores, edifícios cúbicos, cúpulas bulbiformes, minaretes, crescentes, portas em ferradura, arcos conopiais, hammams, odores a essências preciosas e especiarias, salões ocultos pejados de ouro, diamantes, rubis, esmeraldas e safiras, e, como parte da banda sonora, o apelo do muezim, mito e realidade, tudo se funde na nossa imaginação colectiva ocidental.
Daí que sultões, paxás, odaliscas, bailarinas, vizires, encantadores de serpentes, servos de vários géneros, mercadores e mesmos populares de todo o Próximo e do Médio Oriente, inundaram um imaginário pleno de luxúria e prazeres carnais. A ideia de harém suscitava, suscita ainda, os mais loucos desejos e fantasias, sobretudo por parte da população masculina. A pintura de Ingres serviu para exaltar toda essa ideia de voluptuosidade, de corpos desnudos e paixões à flor da pele.


Em grande parte das representações ocidentais, as vestes deste outro, de uma maneira geral, amplas, tanto podiam dar a descobrir carnações como tapavam toda e qualquer curvatura de um corpo humano. É isso que podemos constactar em grande parte das artes decorativas do período Art Déco. Até porque de burca, niqab, hiyab ou chador a mulher desse Oriente é estranhamente misteriosa. Não permitindo o islamismo que a mulher mostre do corpo mais que a cara e as mãos, e, em casos mais extremos, nem mesmo isso, no resguardo de quatro paredes imagina-se que tudo se altere e atinja refinadas formas de sedução.

É deste paradoxo que o elemento feminino deste velador, talvez uma odalisca, se alimenta, sendo bem exemplo da visão distorcida que o Ocidente tinha de uma civilização que se lhe afigurava plena de sensualidade.

domingo, 22 de maio de 2016

Jarra de flores castanhas - Lusitânia - Coimbra


Jarra de faiança moldada, em forma de balaústre bojudo com gargalo curto evasé e pé em meia-cana. Bojo decorado com composição floral pintada à mão em tons de castanho. A parte superior do bojo, de fundo castanho no prolongamento do estrangulamento do gargalo, é cintada por grandes flores, de duas espécies, intercaladas, que pendem com demais folhagem sobre o branco marfim do fundo. Pé uniformemente a castanho, tal como o gargalo. Interior branco. No fundo da base, pintado à mão, a castanho, «Lusitânia Coimbra».
Data: c. 1930-40
Dimensões: Alt.34,5cm


Não se pode dizer que tenhamos adquirido esta peça porque gostámos dela. Pelo contrário, não gostamos. Todavia, achámos curioso o facto de ter a mesma decoração da jarra quadrilobada que postámos em 7 de Janeiro de 2013 e que muito apreciamos. Esta jarra de flores castanhas é estranhamente grosseira e pesada, por contraponto à elegância da azul. Talvez pela dimensão, pela forma, pelo horror ao vazio e mesmo pela cor, ou tudo junto. Se na outra versão a composição respira, nesta tudo abafa, mesmo que se esvaia em direção à base.

Mas colecionar de uma maneira que diríamos científica – porque busca congéneres, relações, modelos, referências… - requer alguns sacrifícios à bolsa e ao olhar. Está escondida, mas se, porventura, nos libertássemos do parti pris e experimentássemos expô-la, até poderia ser que resultasse bem sem outra ornamentação nas proximidades, recortando-se no branco de uma parede. Talvez um dia...


Inserimo-la, no entanto, num certo gosto art déco de cariz popular e, também por isso, faz sentido integrá-la na nossa pequena colecção de peças da Lusitânia-Coimbra dedicada a essa gramática.


domingo, 17 de abril de 2016

Algumas reflexões a propósito do cinzeiro “Pato” modelo 761-A – Aleluia-Aveiro

Já que estamos em maré de cinzeiros divertidos da Aleluia-Aveiro, hoje trazemos mais um. Novamente um pato mas desta vez de tridimensionalidade assumida. Trata-se do modelo 761com a decoração «A» - a mesma paleta de cores do pato anterior.


Cinzeiro de faiança moldada e relevada representando um pato estilizado. A figura arredondada do animal, com cabeça curvada sobre o dorso, onde se inscreve o covo pintado à mão a preto, tem corpo amarelo-pálido nacarado. Olhos redondos brancos com apontamentos a preto e bico a cor-de-laranja-forte também pintados à mão. A curvatura da cauda, sobre o dorso, serve de apoio de cigarro. No fundo da base, carimbo castanho «Aleluia-Aveiro», com um símbolo semelhante a «%» pintado à mão, a preto, no centro, e «Fabricado Portugal» inscrito num rectângulo, com o «F» retocado manualmente a preto. Pintado à mão, a preto, «761-A».
Data: c. 1955
Dimensões: alt. c. 10 cm x comp. c. 15 cm x larg. c. 11 cm


Cinzeiro individual e não de partilha colectiva, é mais um brinquedo para diversão de adultos fumadores e/ou donas de casa com sentido de humor. Talvez um escape doméstico, uma fuga à aridez plúmbea para quem (sobre)viveu no Portugal de então, sob um regime ditatorial pacóvio e provinciano mas de repressão eficaz que sufocava tudo e todos. Por isso intrigam estas peças.

Que quotidianos enfeitaram, que vidas partilharam, que alegrias trouxeram, que deslumbramentos ou que aversões causaram? Estas e tantas outras perguntas.

Embora diversas fábricas de cerâmica nacionais seguissem uma produção consentânea com o que por essa Europa se fazia na década de 1950, em França, Itália ou Alemanha, sobretudo, recorrendo muitas vezes à cópia descarada, a Aleluia-Aveiro foi, em nossa opinião, como já o escrevemos algures neste blogue, a mais original e criativa de todas elas. Se a maioria das formas encaixam nessa produção internacional, roçando por vezes o plágio, a liberdade com que a paleta cromática foi aplicada nesta fábrica deu-lhe uma identidade tão pessoal que as suas peças são inconfundíveis.

Não será o caso deste e do pato anterior, claro, mas entram aqui estas considerações porque formas e cores, enquanto escapismo lúdico, fazem-nos pensar que terão permitido gozar uma pequenina e estranha lufada de ar fresco. Uma alegria brincalhona na seriedade do dia-a-dia de uma sociedade fechada e amorfa. Ainda estamos para compreender como é que estes objectos entraram e se instalaram nesse mundo.


Parece-nos claro que terá sido uma produção cerâmica que diríamos rarefeita no panorama da fábrica Aleluia-Aveiro que, paralelamente, comercializava objectos mais convencionais. Porém, havia um público que as consumia. E não seria só uma elite mais esclarecida, como se poderia pensar, até porque seriam de custo relativamente acessível, antes compradas como tique de contemporaneidade também por pessoas simples, populares, que as introduziam no seio do lar. Como se integravam nos ambientes conservadores e sem gosto definido levanta-nos alguma estranheza. Todavia, a nossa vida profissional permitiu-nos ter um vislumbre dessa realidade, pouco prazenteiro esclareça-se já, mas também a amostragem não é, de todo, significativa, de como tais peças modernas da Aleluia-Aveiro se cruzaram com essas vidas de pacatos e banais habitantes, pelo menos os da Lisboa onde habitamos.

Nesse contexto, cruzámo-nos, mais do que uma vez, com estas peças perdidas, como ET’s, em ambientes “hostis”, abundantes de quinquilharia de feira e gosto duvidoso. Um toque superficial de modernidade sem conteúdo.

Uma com o modelo que apresentámos em 11/12/2011 e em 01/02/2013, mas com outra decoração, estava em cima de um naperon numa cómoda Queen Anne de fancaria, cheia de areia e flores de plástico, entre objectos heteróclitos, velhos retratos de família em molduras de plástico e caixas de comprimidos. Nada de gostos sofisticados subjacentes, provocações pop assumidas, ou sequer um complemento de outros objectos da mesma cronologia e gosto.

Uma outra jarra igualmente freeform, de modelo que não voltámos a ver, listada de amarelo, preto e branco,– que desperdício – jazia, também ela cheia de areia e flores de plástico (parece ser uma constante), sobre uma pequena mesa de apoio com tampo triangular de cantos arredondados, revestido de fórmica, metade encarnado e resto em preto, com três pernas à “Picasso”, também ela um anacronismo no acanhado espaço atulhado de banalidades kitsch. Não tinha, tal como a mesa, qualquer viço. Sendo ambas divertidas, não traziam qualquer alegria. Em ambos os casos funcionavam como estranhas chamas coloridas na asfixia circundante, mas fora de cena, destoantes.

Terão sido prendas de casamento de familiares e/ou amigos que, capazes de fugir à rotina do já visto, assumiam que um casal jovem, acabado de casar, quereria ser moderno? Teriam sido compradas pelas próprias donas de casa que num fugaz momento de deslumbramento pelas novas formas não resistiram à tentação de as comprar mas quedou-se por ali o rompante de loucura? Presente de um marido disposto a abrir as portas da sua casa ao mundo contemporâneo?

Infelizmente a circunstância profissional das visitas não nos permitiu esclarecer estas questões.


Fosse qual fosse a intenção ou a origem, o desapontamento do que vimos foi total. Nos anos de chumbo do salazarismo dificilmente um casal popular ultrapassaria a mediocridade quotidiana pois o acesso à informação e à cultura era praticamente nulo e reservado a pequenos grupos sociais segregados e maioritariamente segregadores (a televisão ainda não existia por cá e, quando passou a existir, era tão cinzenta no preto e branco como a demais realidade), para mais num país com um índice de analfabetismo escandaloso (a rondar os 50% em 1950 e os 40% em 1960).

Fantasistas, brincalhonas e bem-dispostas (e hoje são para nós, colecionadores, um vício pior que o tabaco) as criações da Aleluia-Aveiro permitem-nos não apagar a memória, antes apaziguar as feridas do passado ao possibilitar-nos reflectir sobre ele, porque não é melhor não pensar.

domingo, 3 de abril de 2016

Cinzeiro “Pato” – modelo 762-A – Aleluia-Aveiro

Depois de mais um longo interregno, voltamos ao activo com uma peça divertida.


Cinzeiro de faiança moldada e relevada representando metade de um pato estilizado visto de lado. A figura relevada e arredondada do animal tem corpo amarelo-pálido nacarado, cujo covo é pintado à mão a preto, cor que destaca também o olho redondo. A asa, que serve de apoio de cigarro, assim como bico e cauda são a cor-de-laranja-forte também pintado à mão. No fundo da base, carimbo castanho «Aleluia-Aveiro» com um «ɸ» (?) pintado à mão, a preto, no centro e «Fabricado Portugal» inscrito num rectângulo. Pintado à mão, a preto, «762-A» (número do modelo e decoração). No frete, pintado à mão, a preto, «V» (?)
Data: c. 1955
Dimensões: comp. 13 cm x larg. c. 12 cm x alt. 3 cm


Trata-se do modelo 762 e, mais uma vez, estamos perante a primeira decoração, a «A», de uma série.


Este tipo de peça zoomórfica é, em nossa opinião, um contrassenso. Por um lado a sua função destina-se claramente a um público adulto, por outro, a figura, neste contexto, anacrónica de um pato de banda desenhada infantil mostra-nos um brinquedo.
Brinquemos, pois, com a ideia, certamente a preferida dos adeptos das teorias de conspirações ocultas de multinacionais sedentas de lucro, neste caso as tabaqueiras, de que a forma tinha como missão apelar ao consumo de cigarros por parte dos mais jovens – incentivando-os ao acto ilícito de fumar, fomentando o vício.
Porém, parece-nos um tanto ou quanto excessiva tanta maldade premeditada. E daí…
O lúdico também tem um papel importante na vida dos adultos, torna-a mais relaxada e menos sufocante. E as peças da Aleluia-Aveiro entre 1955-65, mesmo as mais eruditas, trazem subjacente essa ideia.


Imaginemos exemplos de cenários possíveis onde a presença de um simples cinzeiro divertido poderia marcar a diferença no mundo supostamente responsável dos adultos.
Um exemplo seria o simples acto de chegar a casa depois de um dia cansativo de trabalho e sentar-se a fumar um cigarro, eventualmente a ler o jornal (nos anos 50 ou inícios da década seguinte, no Portugal de então, estaríamos a falar do homem da casa, claro), parece-nos credível que o simples olhar para o objecto onde pousava o cigarro, pela forma e pela radiância e alegria das cores, despertasse, no mínimo, um sorriso. Voltava-se à infância num acto de adulto.


Outro exemplo, em dias de convivialidade com amigos que se convidavam para uma festa lá em casa, no meio de um espaço sobrecarregado de fumo e vapores etílicos, o mesmo cinzeiro poderia proporcionar alguns momentos divertidos, dando azo a comentários mais ou menos brincalhões, despertando a criança que há dentro de todos.

Um objecto de pessoa crescida bem-disposta, e porque não?

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Jarra cantil decagonal – Longwy - França


Jarra art déco de faiança moldada e relevada, craquelé, em forma de cantil decagonal, com decoração cubizante, policroma esmaltada, cloisonné, segundo a técnica da corda seca ou “relevo contornado”, em três tons de azul e branco, com motivos florais e geométricos, nas duas faces e perfil a azul-forte. Pé saliente e bocal octogonais a azul-forte, tendo o último a parte superior a azul mais claro. No fundo da base, carimbo preto com escudo coroado sobrepujando «LONGWY FRANCE» e, pintado à mão, «D.5457» e carimbos «L» e «37» (?)
Data: c. 1920-30
Dimensões: Alt. 19 cm x Ø. 16 cm x larg. 5 cm


A exuberância da decoração, em flores que explodem como fogo-de-artifício, cortadas pela geometria dos rectângulos, é bem exemplificativa de um Cubismo amável que perdeu a agressividade escandalosa da década anterior e já pode ser aceite tranquilamente nos lares burgueses. Aliás já prenunciado pelo cubismo de pendor decorativista de André Lhote, por exemplo, desde meados dos anos 10.


Deixemos de lado o objecto. Hoje acaba mais um ano e as expectativas de um 2015 feliz goraram-se na voragem da irracionalidade a que o Homem parece estar sempre condenado. Efeitos da Caixa de Pandora, certamente.

Apesar da crise europeia, apesar das nuvens negras que se adensam no horizonte a Oriente, terrorismo e fundamentalismo islâmicos não serem mais que uma guerra em grande parte induzida pelo domínio da água, muito mais preciosa que o petróleo, apesar das alterações climáticas e deste excesso de calor pouco usual para a época do ano – El Niño volta lá para onde vieste – o ritual de renovação que a passagem do ano significa para a Civilização Ocidental, leva-nos a ser optimistas.

Assim, e como vem sendo tradição no nosso blogue, os votos de Ano Novo, com desejos de Paz, Amor e Prosperidade, são ilustrados com uma peça Longwy. É que não há nada tão optimista como uma jarra dos anos 20 e 30 desta fábrica!

Talvez temesse pelo futuro mas a sua produção art deco é então um hino à Esperança que nunca abandona o Homem mesmo em tempos que anunciam tempestade.


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Prato de cozinha com motivo de mesquita - Sacavém


Prato de cozinha de faiança moldada, formato circular com aba larga e lisa. Decoração central estampilhada e aerografada, policroma. Sobre fundo branco, duas estampilhas a amarelo e castanho estilizam o motivo de mesquita, com espelho de água em frente e margem oposta em primeiro plano, onde se erguem duas palmeiras (tamareiras), à esquerda, definidas por duas outras estampilhas a castanho-mel e verde. Bordo com barra aerografada a cor-de-rosa que se esfuma em direcção ao centro. No fundo da base, carimbos verde «Gilman & Ctª – Sacavém – Portugal» e «946».
Data: c. 1930-40
Dimensões: Ø32 cm x alt. 5,5 cm


A arquitectura de uma mesquita otomana à borda de água, muito provavelmente um rio, com as duas tamareiras em primeiro plano, servindo de repoussoir, remete para o exotismo de um qualquer deserto do Próximo Oriente, o Egipto, por exemplo. Como se a mesquita turca do Cairo tivesse descido até ao Nilo.

Decorações idênticas podem ser encontradas em bases para bolos alemãs (infelizmente perdemos uma das imagens que tínhamos para ilustrar) e noutras peças cerâmicas da mesma nacionalidade.

Embora com raízes ainda setecentistas e que o espírito do Romantismo desenvolveu, este tipo de representações de um misterioso e exótico Oriente Próximo alimentaram o imaginário do Ocidente século XX dentro. O fascínio que a espectacular descoberta do túmulo de Tutankhamon, em 1922, causou, ou antes a personagem Lawrence da Arábia (1888-1935) e a canção «The Sheik of Araby» (1921), depois o cinema, em filmes como «The Sheik» (1926), ou os cenários da intriga de algumas obras de Agatha Christie (o mais conhecido será «Morte no Nilo», de 1937), por exemplo, contribuíram para continuar a alimentar fantasias das “mil e uma noites” no imaginário e estética colectivos pelo menos até ao desencanto que eclodiu com a II Grande Guerra.


Exemplar idêntico já foi apresentado por MAFLS, que sobre o tema discorreu, e apenas rectificamos que se trata da decoração nº 946 «para malgas e pratos de cosinha», conforme desenho do fundo documental da antiga Fábrica de Loiça de Sacavém, disponível no Museu de Cerâmica de Sacavém - Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso, a quem dirigimos, uma vez mais os nossos agradecimentos, e conforme carimbo deste nosso exemplar.

Como os Reis Magos vieram do Oriente e o Menino também por lá nasceu, aproveitamos o motivo para desejar um