Par de bases de
candeeiro de cerâmica moldada e relevada, de cor creme, em forma de balaústre com
friso policromo com motivos populares regionais. Na base, carimbo azul Gilman
& Ctª – Sacavém Portugal. Em relevo na pasta nº 380.
Data: c. 1930 - 40
Dimensões: alt.
13,5 cm
Apresentamos fotografia antiga, proveniente
do acervo do Centro de Documentação do
Museu de Cerâmica de Sacavém (MCS-CDMJA), cuja colaboração agradecemos, onde surge com a designação de «jarra para candeeiro com figuras regionais»,. A peça
aparece referenciada sob o nº 380 nas tabelas de preços de faianças
decorativas, 1945-1966. Na tabela de 1945, consta a designação de «jarra
candeeiro, formato regional». Tal como acontecia com a fotografia do peixe do “Pintor
Reis” anteriormente postada, também no verso desta aparece a nota: «Enquiry
from: Cape Town». As questões que então levantámos mantêm-se.
Já aqui havíamos
mostrado uma peça em que o folclore como leit-motiv
para a arte moderna foi utilizado. Tratou-se da placa cerâmica com vendedor de
peixe da Fábrica Lusitânia de Lisboa que hoje voltámos a repescar a propósito
do tema e porque encontrámos um postal ilustrado que lhe terá servido de
modelo.
O folclore é um dos
elementos constitutivos da modernidade. Se vai ser fonte de inspiração para a
geração do primeiro modernismo português (caso de Sousa Cardoso, Viana, Almada,
…), em consonância com os demais movimentos artísticos europeus, graças às
especificidades culturais e políticas do nosso país, eterniza-se até aos
inícios da segunda metade do século XX.
Datado de 1923, um
friso decorativo policromo, da autoria de Bernardo Marques, correndo as paredes
junto à sanca de uma sala da casa de António Ferro e de Fernanda de Castro, na antiga
Calçada dos Caetanos (desde 1963 Rua João Pereira da Rosa), trazia para um
interior, que se pretendia actual, a temática estilizada de danças populares
(ver foto). Os motivos populares já então eram vistos por Ferro como elementos
de afirmação nacionalista. Para o futuro ideólogo da «Política do Espírito» do
consulado salazarista, o folclore devia ser fonte inspiradora de modernidade
para os artistas nacionais, que assim seriam «modernos sem deixar de ser
portugueses». A cultura com António Ferro era simultaneamente um veículo de
propaganda e um instrumento de controlo social. «(…) a sua principal
preocupação não era a criação e difusão das ideias do regime, mas a criação de
meios de ocupação dos "tempos livres" dos portugueses. Estes
constituíam um tempo potencialmente perigoso para o poder se não fosse
organizado. A contribuição mais significativa de António Ferro foi, (…), ter
mostrado que as múltiplas manifestações culturais podiam ser organizadas de
modo a predisporem os indivíduos para certas formas de comportamento e
pensamento espontâneo. (…) A [sua] grande promoção cultural centrou-se contudo em
volta da cultura popular, que
tinha nas romarias, arraiais e feiras
a (…) expressão mais genuína. (…) procurou criar uma grande
encenação não apenas para os estrangeiros, mas sobretudo para consumo interno.
Uma vasta equipa de artistas e intelectuais, (…) ao longo dos anos (…) foi
pacientemente reelaborando as grandes manifestações populares em termos
plásticos mais modernos, apresentando-as em seguida como expressões
genuinamente populares. Fragmentos de memórias locais são pretexto para a criação de tradições centenárias. A
confusão entre o falso e o autêntico era total. A promoção da cultura erudita
junto do povo, foi neste contexto limitadíssima, pois a mesma correspondia a um
desvio à integração do povo numa cultura popular que se lhe apresentava como
exaltante.» (Para mais ver aqui)
O friso que
encontrámos na casa de António Ferro, com a sua estética art déco de raiz folclórica, está na génese de todo um gosto
estético que perdurou décadas na arte feita em Portugal, sobretudo nas chamadas
artes decorativas.
Segundo Rui Afonso
Santos, a primeira tentativa de introduzir vidros pintados com motivos
folclóricos feita pelos artistas plásticos Sarah Afonso, Ofélia e Bernardo
Marques, apresentados no II Salão de Outono organizado pela revista
Contemporânea, faz-se em 1926. Contudo, sem sucesso. Já os jarros e copos de
água desenhados e decorados por Jorge Barradas, a partir de 1929, para a CIP - Companhia Industrial Portuguesa, na Marinha
Grande, teve tanto êxito que, no ano seguinte o mesmo artista vai conceber uma
linha de jarras também com motivos do folclore nacional para decorar os quartos
do Palace Hotel do Estoril que então abria portas. Os consumidores
mantiveram-se fiéis a estes motivos e, ainda em 1941, Jorge Barradas desenhava
vidros com a mesma temática. Veja-se o copo «Algarve».
Tal sucesso motivou um surto de objectos utilitários e decorativos de
temática folclórica em diversos suportes, do vidro à cerâmica, do ferro forjado
à ourivesaria, feitos por outros autores que, com maior ou menor criatividade,
cimentaram um gosto que se manteve até, pelo menos, aos anos 60. Isto para não
falar das artes gráficas onde a temática remontava à primeira geração
modernista. Deixamos aqui alguns exemplos ilustrativos, sendo a maioria dos
vidros da Marinha Grande (esta matéria daria um blogue interessante, mas não
temos disponibilidade para o fazer).
Em relação a Piló [Manuel
Júlio Piló Santos (1905-1988)], cuja série de desenhos criados em 1935 darão origem
a uma colecção de postais, decorarão vidros fabricados pela CIP e porcelanas da
Vista Alegre e mesmo pratas, a ele haveremos um dia de dispensar maior atenção.
2 comentários:
Olá AM-JMV,
Mais artigos destes, por favor!
:)
Olá CMP.
Tomamos como um elogio o seu comentário. Muito obrigado. Umas vezes as peças "dão-nos corda", outras, não. De qualquer maneira, este blogue é apenas um passatempo para darmos ordem às colecções. :)
Cumprimentos
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