quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Jarra Arte Nova com ramalhete de papoilas - Sacavém


Peça de faiança moldada em forma de ânfora cor marfim com duas asas laterais a ouro. Em ambas as faces apresenta um ramalhete de papoilas encarnadas com folhas e pedúnculos serpenteantes a verde, pintados à mão sobre vidrado. Bocal e base com realces a ouro. No fundo da base, carimbo verde Gilman & Ctª - Sacavém - Made in Portugal. Em relevo, na pasta, 3.
Data: c. 1925
Dimensões: alt. 40 cm


A decoração da jarra, com o seu exuberante ramalhete rubro de papoulas, faz-nos lembrar o poema «De tarde», de Cesário Verde:

Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.

In O Livro de Cesário Verde. Lisboa: Minerva, 1975, pp.104-105

O poema é bem o retrato de um gosto estético português ao pôr em palavras uma hipotética série de pinturas naturalistas que tão bem quadravam às preferências da  burguesia nele referida. O que torna o poema numa pequena obra-prima é o contraste entre o motivo descrito e a objectividade quase fotográfica do vocabulário empregue.
Em termos estilísticos diríamos que esta jarra remeteria para cerca de 1900-1910. Todavia, pensamos estar perante um caso de Arte Nova tardia pelo que a datámos de cerca de 1925, e se nos dissessem que era uma década posterior também não nos surpreenderia. De facto, o ramalhete rubro de papoulas, apresar dos breves apontamentos curvilíneos Arte Nova é uma pintura ao gosto naturalista que, aliás, se vai perpetuar em Portugal até à década de 60 do século passado, num claro desfazamento estético face às tendências mais modernas destinadas a uma elite rarefeita.

A peça apresenta o nº 3 do catálogo de formatos de jarras da Fábrica de Loiça de Sacavém (FLS), de c.1930, não impresso, que reproduzimos, aparecendo referenciada com o mesmo número nas tabelas de preços de faianças decorativas de 1929 a 1966 e com a designação de jarra «romana». Reproduzimos ainda uma fotografia antiga (gentilmente disponibilizada pelo Museu de Cerâmica de Sacavém / Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso, a quem agradecemos), datada de cerca de 1929, com outra decoração que nos parece ser em azul de Sévres e ouro dado conhecermos exemplar semelhante.


Na FLS os modelos mantiveram-se por muito mais tempo em produção que as decorações, cujas modas, mais efémeras, levavam a uma maior renovação. Daí encontrarmos exemplares perfeitamente Arte Nova em termos de forma com decorações art déco e mesmo posteriores. O caso da presente jarra é paradigmático dessa longevidade já que posteriormente a 1966 continuava a ser produzida com outros critérios decorativos.

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