Peça de faiança moldada em forma de ânfora cor
marfim com duas asas laterais a ouro. Em ambas as faces apresenta um ramalhete
de papoilas encarnadas com folhas e pedúnculos serpenteantes a verde, pintados à mão
sobre vidrado. Bocal e base com realces a ouro. No fundo da base, carimbo verde
Gilman & Ctª -
Sacavém - Made in Portugal. Em relevo, na pasta, 3.
Data: c. 1925Dimensões: alt. 40 cm
A decoração da jarra, com o seu exuberante ramalhete rubro de papoulas, faz-nos lembrar o poema «De tarde», de Cesário Verde:
Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela, E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas, A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.
Mas todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.
In O Livro de Cesário Verde. Lisboa: Minerva, 1975,
pp.104-105
O poema é bem o retrato de um gosto estético
português ao pôr em palavras uma hipotética série de pinturas naturalistas que
tão bem quadravam às preferências da burguesia nele referida. O que
torna o poema numa pequena obra-prima é o contraste entre o motivo descrito e a
objectividade quase fotográfica do vocabulário empregue.
A
peça apresenta o nº 3 do catálogo de formatos de jarras da Fábrica de Loiça de Sacavém (FLS), de
c.1930, não impresso, que reproduzimos, aparecendo referenciada com o mesmo
número nas tabelas de preços de faianças decorativas de 1929 a 1966 e com a
designação de jarra «romana».
Reproduzimos ainda uma fotografia antiga (gentilmente disponibilizada pelo
Museu de Cerâmica de Sacavém / Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso, a
quem agradecemos), datada de cerca de 1929, com outra decoração que nos parece
ser em azul de Sévres e ouro dado conhecermos exemplar semelhante.
Na FLS os modelos mantiveram-se por muito mais tempo em produção que as decorações, cujas modas, mais efémeras, levavam a uma maior renovação. Daí encontrarmos exemplares perfeitamente Arte Nova em termos de forma com decorações art déco e mesmo posteriores. O caso da presente jarra é paradigmático dessa longevidade já que posteriormente a 1966 continuava a ser produzida com outros critérios decorativos.
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