Par de jarros de porcelana moldada e relevada em forma de patinho estilizado dentro da gramática art déco, cuja parte superior da cabeça e bico forma tampa. De cor amarela, com o ventre branco e apontamentos na penugem a preto, o bico e as patas são cor de mel. No dorso têm aposta uma pega triangular vazada. a branco, e dois furos na parte posterior do pescoço. Na base, marca TH e SEZ, em relevo, e carimbo castanho-roxo: Théodore Haviland- Limoges- FRANCE, Copyright e a palavra Déposé. Assinatura Ed. M. Sandoz sc. a azul.
Data: 1916
Dimensões: alt. 18 cm
Este «pichet-oison», na designação francesa, corresponde ao nº 37 do catálogo da Manufactura Théodore Haviland- Limoges. Foi editado no dia 19 de Setembro de 1916, em dois tamanhos: de 18 e 16 cm, e cores variadas. E tal como o saleiro-rã que ontem mostrámos, integra o vasto conjunto de esculturas zoomórficas criadas por Sandoz. Possivelmente destinava-se, tal como as rãs, também ao serviço de mesa, como galheteiro, montado em prata, como vimos à venda num antiquário, e daí a possível justificação dos dois buracos que cada um dos nossos exemplares apresenta na parte posterior do pescoço, onde se colocavam as placas de prata mencionando o azeite e o vinagre.
Este modelo também funcionou como cafeteira em serviços “egoïste”, ou tête-à-tête, que não apresentam, evidentemente, os furos no pescoço.
Do ponto de vista artístico os animais de Sandoz sofrem duas influências, a dos movimentos artísticos alemães (do Werkbund que antecedeu a Bauhaus) e, no que diz respeito às cores extremamente vivas e variadas, a do Picasso da época cubista.
Tendo começado por trabalhar matérias como o mármore e o bronze, o escultor suíço Édouard-Marcel Sandoz (1881 – 1971), radicado em França, perante a escassez de matérias-primas e outras condicionantes que a Grande Guerra provocou, dedicou-se, depois de várias tentativas, à produção de objectos de porcelana. Foi um feliz acaso porque as massas arredondadas e os grandes planos de cor das peças criadas se adaptavam perfeitamente a este material em que a luz se reflectia como no mármore.
Mas porquê produzir tais objectos fúteis em tempos de extrema dificuldade como então se viviam? E já agora por que é que a administração da manufactura se mostrou tão interessada em produzi-los, ainda para mais num dos períodos mais agudos do conflito para a França? Paradoxalmente, a sua justificação prende-se, por um lado, com a falta de matéria-prima, sobretudo carvão, para fazer funcionar a indústria fabril, e por outro, havia toda a necessidade de rentabilizar ao máximo cada fornada de porcelana. Como os objectos criados por Sandoz eram de pequena dimensão, facilmente preenchiam os vazios deixados entre outras peças de maiores dimensões da produção corrente da manufactura, enchendo-se, assim, o forno.
Expostos na feira de amostras de Lyon de 1916, destinada a profissionais, como já referido, instantaneamente se convertem no maior sucesso do certame. O êxito foi de tal ordem que, pela primeira vez, foi permitida a venda de peças directamente ao público visitante.
Os representantes grossistas de Nova Iorque encomendaram a gama completa (352 peças). Todos os grandes armazéns de Paris queriam obter o exclusivo e lutaram e intrigaram por isso. Os representantes argentinos, distribuidores para toda a América do Sul, encomendam uma remessa num valor enorme para a época. E este sucesso continuou na feira de 1917 com novos modelos. A Manufactura Théodore Haviland- Limoges conseguiu manter-se aberta durante o resto do conflito graças quase unicamente à produção das criações de Sandoz.
Toda esta extensa introdução serve para contar as aventuras picarescas de coleccionadores que procuram pechinchas em leilões. Como é evidente, tais especímenes são uma raça predadora que quando entra num salão aparentemente atafulhado de bugigangas vai à procura de um possível objecto de eleição. Como todos os coleccionadores são diferentes o conceito de bugiganga é, assim, muito relativo.
Depois de encontrado o objecto de desejo, examina a possível concorrência para o combate que se aproxima. É importante ver se o lote cobiçado está entre o que o leiloeiro considera valioso ou tralha. Felizmente para nós, o conjunto patinhos e rãs convivia num lote que englobava um objecto de marfim, de origem chinesa, quanto a nós toscamente trabalhado em produto para turista. Pelos nossos cálculos não havia pretendentes e o preço iria ficar muito em conta.
Quando o pregoeiro anunciou o lote, para surpresa nossa, confrontámo-nos com um rival que, contra todas as previsões, nos foi acompanhando até desistir, já o preço ia elevado. Finalmente, ao bater do martelo, comentou o senhor do alto da sua ignorância auto-satisfeita: «os patos agora andam caros», acompanhado dos risinhos discretos da assistência. Na verdade, o preço por que ficou o lote corresponde a pouco mais que o preço das duas rãs no mercado internacional. Como epílogo, ao pagarmos apareceu o nosso concorrente, um senhor idoso, que timidamente nos abordou quanto à possibilidade de lhe cedermos, por quantia ao nosso critério, a peça de marfim que o filho coleccionava. Fez-se negócio e, moral da história: como é possível que num leilão em Portugal, em 2004, nem o leiloeiro, nem ninguém na assistência soubesse o valor e a importância dos tais patinhos “caros” e dessem fortunas por banalidades sem qualquer interesse artístico, cultural e mesmo comercial fora deste país. Enfim, idiossincrasias de um povo que se enganou no século em que vive.
4 comentários:
Vivam!
Saberão, certamente, que a VA também comercializou uma versão,com asas abertas, dos patinhos correspondentes ao número 33.
Corresponde essa versão da VA ao modelo P.1563, que foi aprovado em Novembro de 1934 e comercializado, nessa altura, a 22$00.
Quanto ao preço dos patos nessa primorosa versão da "Vanity Fair of Fools & Ignorants" e ao fabrico em grandes quantidades para satisfazer as encomendas, diria que também há peças que se apresentam como "though competitors" – vi muito poucas colheres intactas da mostardeira/açucareiro que surge na mesma folha de catálogo...
Saudações!
Olá caro MAFLS,
Conhecemos perfeitamente o galheteiro em forma de patinhos, cruzados, de que fala, mas não têm a ver com o modelo de Sandoz. Mas há, de facto, alguns animais desse autor que a VA reproduziu. Para além do saleiro-rã já apresentado, há também a rã "porte-bouquet", nº 36 do catálogo da T. Haviland (TH), que aparece num catálogo de leilão da VA identificada como "caroceiro", e o coelho-bomboneira, nº 40 do TH (a versão mostardeira, com colher, nº 51 do cat. TH nunca vimos pela VA, mas é provável que exista). Estes são os que conhecemos, não sabemos se houve outros.
Cumprimentos
Caro JMV JMV foi a pouco tempo que descobri o seu blog. Desde ja digo que gosto imenso. O que me leva a deixar aqui o meu comentário, e que tb sou feliz possuidor de uma peça de "Sandoz", mais concretamente um "Gato". Graças a si aprendi mais um pouco sobre este artista e sua historia. Terei muito gosto em partilhar consigo as fotos deste, e talvez lhe envie mais algumas para que me ajude a identificar algumas das peças que tenho por casa.
Cumprimentos
Hsilva
Caro HSilva,
Em primeiro lugar, muito obrigado pela sua apreciação. Estamos ao dispor para qualquer esclarecimento que pretenda desde que saibamos responder. Gostaríamos imenso de conhecer o seu gato. Quer as fotos do gato quer outras, pode enviá-las para o e-mail do blogue, que rapidamente responderemos. Esperamos poder contar com a sua presença e os seus comentários.
Cumprimentos
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