quinta-feira, 7 de março de 2013

Chocolateiras art déco – Leuchtenburg Miranda





Três jarros de porcelana moldada e relevada, de base branca com decoração geométrica estampilhada e aerografada com esfumados. No fundo da base dos jarros a encarnado e preto e a azul e verde, carimbo verde com castelo - Leuchtenburg Miranda [ref. Marca 44] e inscrito na pasta 538 [nº forma] ges. gesch.. Quanto à versão laranja e preto, sem carimbo, tem escrito à mão, a preto, 538./7605./2. e inscrito na pasta 538 ges. gesch.. A azul e verde ainda tem a tampa de metal cromado, enquanto a a encarnado e preto mantém o selo de origem «Miranda Echt Porzellan» colado no gargalo.
Data: 1929
Dimensões: Alt. c. 18,5 cm (c/ tampa c. 21,5 cm)


Objectos utilitários como estes jarros para chocolate (kakaokanne - traduzido por chocolateira) foram produzidos por variadíssimas empresas que conceberam uma enorme variedade de formas e decorações aerografadas quer de faiança quer de porcelana.


 
A pequena mas altamente qualificada fábrica de porcelana Lehmann & Sohn, de Kahla, na Turíngia, teve como génese um atelier de decoração de porcelana, fundado em 1885, por Carl August Lehmann e Paul Zierold. Após10 anos de sucesso a firma expandiu-se começando a produzir, em 1895, porcelana fina, sobretudo para exportação, com o nome de C.A. Lemann & Sohn. Em 1935 funde-se com a Manufactura de Porcelana Franz Bauer (1927-1935) e passa a denominar-se Bauer & Lehmann. Esta associação durou até 1965 quando se junta à Manufactura August Frank (fundada em 1894) com o nome de Manufactura de Porcelana de Kahla. Parcialmente nacionalizada em 1972 acaba por encerrar em 1990.




A marca de 1905 a 1935 apresenta como símbolo o castelo de Leuchtenburg, vizinho à cidade de Kahla. Daí que comummente se chame Leuchtenburg às produções da Lehmann & Sohn, cuja época áurea se regista na última década deste período, sobretudo a partir de 1929.

A Lehmann & Sohn obteve merecido sucesso na Feira de Primavera de Leipzig em 1929 com a sua chocolateira Miranda. Tal sucesso levou ao aperfeiçoamento da linha que foi apresentada logo na Feira de Outono desse mesmo ano, em doze formas diferentes e cem decorações aerografadas distintas.


A pintura a aerógrafo na decoração cerâmica não era novidade. A porcelana dinamarquesa da Royal Copenhagen e outras utilizavam esta técnica para os fundos esfumados de muitos dos seus objectos decorativos, que ressaltavam pela qualidade nos finais do século XIX (já apresentámos peças desta proveniência com tais fundos). Todavia, não teve consequências imediatas de maior fôlego. Teríamos de esperar pelos Anos 20 para que na produção industrial tal técnica fosse utilizada massivamente na criação de objectos modernos para uma sociedade sedenta de novidade, e acessíveis ao grande público. Esta produção vai funcionar como contraponto aos objectos de luxo e exclusivos que caracterizavam o Art Déco, popularizando a linguagem decorativa do estilo que até então era destinado à nova elite do pós-guerra. A utilização das decorações a aerógrafo sob o vidrado abriu inúmeras possibilidades artísticas a esta técnica que a Alemanha da República de Weimar vai explorar até ao limite do experimentalismo.




A mecanização das técnicas artesanais e as suas novas possibilidades formais, sobretudo com a utilização de padrões decorativos aerografados, foram exploradas por diversos artistas plásticos, como referimos em posts anteriores. Os efeitos de transparência e de espaço obtidos, com os deslocamentos dos padrões definidos pelas estampilhas e as gradações tonais obtidas, os contornos marcados a ângulo recto como negativo, os halos dos círculos e segmentos, as estruturas reticuladas e os zig-zags das suas pinturas reflectiam-se na decoração aerografada do jarro proletário, dos pratos do povo, e no estilo universal e internacional da decoração de padronagem art déco. O aerógrafo torna-se um substituto do pincel, permitindo a equivalência industrial na decoração às novas correntes artísticas de vanguarda de uma forma mais eficaz, porque mais rápida e económica.

As decorações obtidas pela combinação do aerógrafo e da estampilha exploram com grande mestria as variações dos desenhos e das combinações cromáticas, aliadas a cores muito vistosas. Estas pequenas obras-primas da cerâmica industrial dos Anos 20 transmitem-nos um estilo muito próprio de decoração geométrica policroma, introduzida tanto quanto se sabe pela Fábrica de Bunzlau e pelo seu Instituto Profissional Estatal de Cerâmica claro exemplo do papel hegemónico assumido pela faiança neste período.



Se é primeiro na faiança que as novas técnicas e propostas artísticas serão um sucesso fulminante de massas, rapidamente as fábricas de porcelana, em dificuldades perante o fenómeno, responderão com uma criatividade idêntica de que as peças que hoje apresentamos são exemplo.

A partir de finais da década de 20, era apenas do ponto de vista económico que se distinguia um objecto de porcelana de um outro de faiança. O primeiro seria mais “fino”, o segundo mais “pobre”. Do ponto de vista estético e artístico tinham igual dignidade.

Daí que uma das partes mais coerentes e numerosas das nossas colecções (que curiosamente pouco se tem reflectido no que temos postado) seja referente a esta Alemanha da social-democracia que desgraçadamente desaparece em 1933. Um período que nos tem fascinado cada vez mais, pela surpresa permanente do vanguardismo de pesquisa sem paralelo em qualquer outra parte do mundo e que tanta influência vai ter em determinada produção nacional como temos vindo a ver. Embora pontualmente as nossas colecções resvalem para objectos de uma modernidade mais conservadora, quanto mais não seja para repor um pouco de ordem em tal caos criativo… Assim, moderna uma outra nem tanto…


Alguns dos dados aqui expressos foram retirados entre outros, do catálogo da exposição realizada no Padiglione d'Arte Contemporanea de Milão (1984-1985) cuja capa se reproduz.
 

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