Jarra de grés moldada e relevada, de forma
tendencialmente esférica, com bocal e pé em anel. Um friso relevado, estilizado
ao gosto art déco, cinge a parte
superior do bojo com uma decoração de frutos, flores, borboleta e pássaro, num
acetinado tom esverdeado, enquanto a parte inferior, lisa, é esmaltada num
azul-arroxeado manchado. No fundo da base, em relevo, «Grès - Mougin Nancy» e, inscrito na pasta, «172. J Modele de G Ventrillon»
e «L».
Data: c.1925-30
Dimensões: Alt.
15 cmTrata-se do modelo 172 J, «boule au papillon», da autoria de Gaston Ventrillon a trabalhar no atelier de arte dos irmãos Mougin, de Nancy, a funcionar de 1923 a 1933 em Lunéville. É isso que nos indica o pequeno «L» inscrito na pasta. O friso é tratado como se fosse madeira entalhada a que a técnica do esmalte dito «cera» dá um toque e um brilho de laca.
Gaston Ventrillon chamado Le Jeune (Nancy, 1891-?) é o irmão mais
novo de Ernest e Georges Ventrillon, também artistas do atelier. Formado na
Escola de Belas-Artes de Nancy, participa em diferentes manifestações
vanguardistas. É o mais turbulento e importante dos três irmãos enquanto
criador.
Joseph Mougin (1876-1961) fez a sua
aprendizagem em Nancy com o estatuário e ceramista Arthur Pierron entre 1892 e
1893, que deixou para se inscrever na Escola de Belas-Artes da mesma cidade.
Em 1894 muda-se para a Escola de Belas Artes
de Paris inscrevendo-se no atelier do escultor Barrias. Dois anos depois expõe
esculturas em bronze no Salon des
Artistes Français. Todavia, rapidamente se dá conta que uma carreira como
escultor não é o seu objectivo de vida, dada a sua apetência pela cerâmica.
Em 1897, juntamente com um amigo, o escultor
Lemarquier, realiza em Paris as primeiras tentativas enquanto ceramista. Seu
irmão Pierre (1880-1955), renunciando à carreira de actor que pretendia seguir,
junta-se-lhe um ano depois. Em Dezembro de 1899 os dois inauguram um forno e no
ano seguinte já expõem na Exposição Universal de Paris.
Em 1901 Joseph vai trabalhar para Sèvres e,
como resultado dos conhecimentos adquiridos, os irmãos inauguram um atelier e um
segundo forno. Em 1905 obtêm uma Menção Honrosa no Salon da Sociedade Nacional de Belas-Artes de Paris. No entanto,
decidem-se a abandonar a cidade e regressar à sua terra natal, Nancy, então em
plena efervescência criativa, onde inauguram, em 1906 o atelier que se vai
manter em actividade até ao romper da Grande Guerra, retomando a produção a
partir de 1919 com a chegada da paz.
Desde sempre os dois irmãos estiveram
apaixonados pelo grés, a argila de eleição dos ceramistas franceses de fins do
século XIX e começos do XX.
Para quem não saiba, e simplificando, o grés
é uma argila plástica, naturalmente rica em feldspato, e este é um mineral que
possui a particularidade de fundir a alta temperatura, vitrificando e
envolvendo as partículas terrosas, tornando a massa impermeável. Distingue-se
da faiança porque não é poroso e da porcelana porque não é translúcido.
No âmbito de um contrato de colaboração com a
fábrica de faiança Keller & Guérin, em Lunéville, os irmãos mudam-se para
esta cidade em 1923.
A necessidade de renovação após o cataclismo
da guerra vai também fazer-se sentir em Lunéville cujos produtos de faiança de
luxo não eram a melhor receita económica perante uma sociedade empobrecida. Temos
apresentado peças de faiança mais económicas como consequência desta mudança de
rumo, caso de algumas concebidas por Géo Condé.
Aproveitando o prestígio dos dois irmãos,
Edouard Fenal, de quem já falámos noutros posts, propôs-lhes uma colaboração
com condições muito boas: autonomia no seio da empresa, atelier próprio
ultramoderno, utilização livre do espaço e das matérias-primas, possibilidade
de produzir peças próprias com a condição de editar séries de alguns dos seus
modelos e dos dos artistas contratados pela fábrica. As peças produzidas
mantinham o carimbo com o nome de Frères Mougin – Nancy. Todavia, Fenal ficava
de posse da totalidade dos moldes do atelier de Nancy e daí existirem peças
iguais de faiança, à revelia dos dois irmãos produzidas nas suas fábricas (veja-se
a jarra de Géo Condé que publicámos em 26 de Maio de 2012).
Para além de disporem de dois especialistas e
um ajudante, de todos os meios técnicos e materiais de que tivessem necessidade
para a realização das obras, poderiam também dispor, aquando das fornadas, da
colaboração dos operários da fábrica.
O contrato era válido por dez anos, os irmãos
tinham casa própria, ordenado certo e uma percentagem sobre a produção do
atelier. Tudo isto com a condição de produzirem um “rendimento que não poderá
deixar de ser importante”.
Tudo correu bem até 1924, quando se preparavam
as fornadas destinadas à Exposição de 1925. Joseph sofreu um acidente que o
incapacitou durante dois meses. Fenal tornou-se mais exigente, o que deu origem
a tensões que, com o decorrer do tempo, vieram gradualmente a aumentar.
Em 1925 os Mougin ganham o Grand Prix de la Céramique d’Art na
Exposição de Artes Decorativas de Paris. Como consequência, Joseph recebe em
1926 a Legião de Honra, o que o deixa magoado por o seu irmão não ter sido
também agraciado. Era a consagração dos Mougin e do seu magistério na Fábrica
de Lunéville.
Cercados de jovens artistas plásticos, alguns
dos quais – Géo Condé, Gaston e Georges Ventrillon – já eram discípulos em
Nancy, os Mougin vão transmitir-lhes as técnicas e as matérias-primas que
tornem possível a realização prática das suas ideias. Vão, assim, veicular-lhes
novas formas de expressão que, no conjunto e apesar da diversidade de
propostas, dotam as criações de uma grande unidade estética.
A reconciliação, devida ao sucesso da
Exposição, pouco durou. Os choques com Fenal foram uma constante. Não estavam
de acordo sobre a escolha dos artistas, dos modelos, das técnicas, dos
esmaltes, dos operários. Os irmãos criticavam a falta de gosto e de
discernimento artístico do director da fábrica. Este criticava-os por não
produzirem as quantidades prometidas e pelo preço dos produtos. Humilhado,
Joseph abandona Lunèville em 1933.
A ruptura de Joseph com a Fábrica de Lunéville
levou-o de regresso a Nancy onde inaugura um segundo atelier em 1936. Nesse
mesmo ano, Pierre abandona também a Keller & Guérin, mas já não volta a
colaborar com o irmão.
O primeiro, com a ajuda de amigos, reconstrói
o seu atelier. Aí vai produzir um grés cada vez mais depurado, preocupado
sobretudo com a “pele”dos objectos, ajudado pelos filhos Odille e François,
também ambos artistas cerâmicos de renome. A sua última fornada é feita em
Dezembro de 1950, morrendo em 1961. Pierre tinha morrido cinco anos antes.
Durante dez anos, os irmãos esgotaram-se na
tentativa de conciliação entre uma pesquisa artística necessariamente lenta,
incerta, difícil e o desejo de rentabilidade de um proprietário cada vez mais
exasperado. Contudo, segundo palavras de Pierre Mougin “mais de duzentas mil
peças saíram dos fornos dos nossos ateliers (…). Algumas não saíram com a
qualidade que teríamos desejado, (…) tendo sido aceites apesar da nossa
oposição (…). Felizmente são pouco numerosas e, de entre as restantes, um bom
número pode figurar em boa posição na decoração dos interiores franceses.”
O confronto entre os criadores e o industrial
não foi só um choque de personalidades fortes mas, sobretudo, um embate de
mentalidades entre a sensibilidade e a criatividade artísticas, essenciais para
o progresso da indústria, e os conceitos de gestão, que relegavam para lugar
secundário a estética do objecto. Não era esta a posição da indústria alemã e
nórdica de então. Interrogamo-nos se hoje esta dicotomia está já
definitivamente ultrapassada, por exemplo, num país como Portugal.
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