Parte de serviço formato
«Porto», de faiança moldada. Sobre formas ainda oitocentistas foi aplicada uma decoração
geométrica estampilhada e aerografada, a três cores com pintura em esfumado:
verde, azul e castanho alaranjado. Asas, pegas, bicos e bocais pintados à mão,
a castanho. No fundo das bases, carimbo
a verde «Gilman & Cta-Sacavém» «Portugal» e, «386» (decor), acrescido no
bule de «O», na leiteira e açucareiro de «E», etc..
Data: c. 1930-40
Dimensões: Várias
A padronagem art déco modernista deste serviço é a
que qualquer leigo português nestas coisas da produção cerâmica nacional é
capaz de imediatamente identificar como sendo “Sacavém”. Verdadeira referência
icónica desta fábrica, a decoração nº 386 foi usada entre cerca de 1930 e
1960s. Só que, mais uma vez, não é uma criação original portuguesa.
No fundo documental da Fábrica
de Loiça de Sacavém
encontra-se o verbete que se ilustra, gentilmente cedido pelo Museu de Cerâmica
de Sacavém / Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso (MCS-CDMJA), onde o
motivo decorativo nº 386 aparece aplicado a uma tigela.
Os sensores em Portugal não
percebiam a carga ideológica dos objectos modernos. Perseguia-se um pintor ou
um escultor, mas as peças modernas de uso quotidiano entravam livremente nos
lares portugueses. É disto um bom exemplo a faiança aerografada de boa parte da
produção de Sacavém, só para citar uma fábrica. Hitler destruía-as na Alemanha,
onde integravam o rol das artes degeneradas, produto de judeus e comunistas,
como temos vindo a referir.
O provincianismo local
abria-lhes as portas e mesmo em cenas como no filme «O Pai Tirano» (1941), o
café com leite (?) do pequeno-almoço da pensão pequeno-burguesa, que na ficção
fílmica se localiza na travessa da Portuguesa, no bairro da Bica, é servido em
peças (chávenas e manteigueira) de um serviço com esta decoração, a uso como
grito de modernidade popular num ambiente ainda muito século XIX. Curiosamente,
a boleira de loiça com tampa metálica é alemã (ver fotogramas do filme).
Apresentamos aqui, igualmente,
fotografia de um tête-à-tête que
esteve há uns anos, e durante longos meses, à venda no Miau.pt como sendo
«Sacavém». Era uma peça que gostaríamos de ter adquirido, mas o preço
exorbitante pedido tal não permitiu. Mesmo sem termos visto a marca, arriscamos
afirmar que se trata de produção da Europa Central, de origem alemã ou checa.
Caso os nossos leitores tenham alguma informação que possa satisfazer a nossa
curiosidade, deixamos desde já o nosso agradecimento.
A técnica do dégradé num dos
lados do desenho da estampilha, tão ao gosto alemão teve, em Portugal, na
produção da Fábrica de Loiça de Sacavém o seu expoente máximo, onde conheceu
grande longevidade, como se pode constatar aplicada a este serviço, que por
mais de 30 anos foi comercializado.
Dado só temos parte do serviço
de chá e familiares nossos terem muitos mais peças, em parte por nós oferecidas, decidimos
apresentar esta fotografia com algumas delas (embora a tigela apresente outra variante
decorativa) como um conjunto ilustrativo da aplicação da decoração nº 386 e onde se pode ver, agora a cores, o modelo de chávena usado pela «Tatão» do filme, a actriz Leonor Maia.