sábado, 22 de setembro de 2018

Exposição TEMPOS MODERNOS | CERÂMICA INDUSTRIAL PORTUGUESA ENTRE GUERRAS | COLECÇÃO AM-JMV

                                                      [Design Bloodymary & Braun Creative]        Para todos os que nos tem seguido - mas não só - e comungam da mesma paixão pela cerâmica, a partir do próximo dia 27 de Setembro terão a oportunidade de ver parte da nossa colecção, da produção nacional, exposta no Museu Nacional do Azulejo (MNAz).

Trata-se da exposição TEMPOS MODERNOS | CERÂMICA INDUSTRIAL PORTUGUESA ENTRE GUERRAS | COLECÇÃO AM-JMV, com curadoria de Rita Gomes Ferrão, a criadora do incontornável blogue Cerâmica Modernista em Portugal (CMP), que muito nos honrou por ter aceitado o desafio que, conjuntamente com o MNAz, lhe lançámos. Aqui deixamos o nosso público agradecimento.


Muitas das peças em exibição são do conhecimento geral. Para elas sempre olhámos mas esquecemo-nos de as ver. Algumas, tantas já aqui postadas, fazem parte das memórias da infância de muitos de nós que as víamos em casa dos avós ou mesmo dos pais. Esperamos que esta seja uma exposição de afetos e devolva um pouco do que o tempo nos roubou, daí o convite que vos fazemos a visitar a exposição.

domingo, 9 de setembro de 2018

Quando a Bauhaus era o futuro – Caixa Kaestner - Alemanha


Caixa de porcelana moldada e relevada, de cor branca com decoração aerografada de faixas em três tons pastel (amarelo, azul-esverdeado e castanho). O corpo da taça, circular, apresenta anel na parte superior sobre forma troncocónica invertida e curva, assente sobre pé canelado. A tampa, em forma de cone encurvado de base larga cujo vértice, cortado por caneludas pronunciadas, inseridas num cilindro, que configuram a pega, é rematado em talhe de bala. No fundo da base, carimbo verde «Kaestner Saxonia» «O/Z» [Friedrich Kaestner, Oberhohndorf bei Zwickau, Saxónia], sobrepujando algo ilegível pintado a ouro; à mão (talvez «Spritzkunst»), e inscrito na pasta «441».
Data: c. 1930
Dimensões: Alt. c. 13,5 cm x Ø c. 10cm 


A modelação torneada desta peça vanguardista, que certamente será da autoria do professor Artur Hennig (1880-1959) - activo na fábrica Kaestner de 1928 a 1933 -, remete, em nossa opinião, para os figurinos do bauhausiano Ballet Triádico (Triadische Ballet), criado por Oskar Schlemmer, e estreado em 1922, a que já aludimos no blogue, no post de 11 de Maio de 2013, a propósito de uma caixa de Eschenbach, e que se ilustra com mais algumas fotografias (montagem da nossa autoria) de época recolhidas na net.

 A linha produzida por Hennig vai constituir uma das tendências mais radicais no modernismo da cerâmica alemã de então, juntando o lúdico e o decorativismo da art déco ao despojamento bauhausiano, como continuaremos a ilustrar com outras peças Kaestner da nossa colecção. A produção de objectos aerografados na Kaestner (ou Kästner) vai de 1928 a 1935, coincidindo, com a diferença de um ano (1929), com o carimbo presente nesta caixa.


A família Kaestner, antiga proprietária de terras agrícolas, está documentada desde 1551 enquanto possuidora de uma mina de carvão na localidade de Oberhohndorf, desde 1935 integrada na cidade de Zwickau. Ao longo dos séculos, a família tornou-se numa das mais importantes no tecido industrial da Saxónia.

 Friedrich Kaestner (1855-1924), filho do último proprietário da mina de carvão, decidiu dedicar-se à produção de porcelana, no que foi totalmente apoiado pelo pai. Criada em 1882, a fábrica abriu no ano seguinte com o nome da família. Com carvão em abundância e bem servida de transporte ferroviário, a fábrica atingiu a sua maior expansão na década de 1930, chegando a fornecer a força aérea alemã, a Luftwaffe, criada em 1933 por Hitler. Assim obliterando a produção de vanguarda, resultante da colaboração com o designer da fábrica de Bunzlau, professor Artur Hennig, durante a República de Weimar concebida para a burguesia mais esclarecida.

Em 1949, após a II Guerra Mundial, foi nacionalizada passando a exportar, sobretudo, para a URSS. No entanto, entrou em decadência nos anos 60 tendo encerrado em 1971. Foi a última unidade produtora de porcelana a encerrar na região.


domingo, 26 de agosto de 2018

Boleira ziguezague - Villeroy & Boch – Mettlach - Alemanha


Caixa de faiança moldada e relevada, de forma oblonga e bojuda, com tampa em calote, e aplicação de metal cromado na tampa e pega, dobradiça e fecho. Sobre a superfície branca destaca-se a decoração geométrica de ziguezague vertical, relevado e esmaltado a dois tons de laranja, aclarando e diminuindo de tamanho na tampa. No fundo da base carimbo verde «Villeroy & Boch, Mettlach» sobrepujando «Made in Saar Basin» e carimbo preto rectangular com «6252». Inscrito na pasta «3719» e «HJ» sobre «21»
Data: c. 1930
Dimensões: Alt c. 12 cm (sem pega) x comp. c. 24,5 cm, larg. c. 17 cm


Mais uma peça da nossa colecção dedicada ao “spritzdekor” (aerografado) alemão: uma boleira de que gostamos particularmente, produzida na unidade fabril da Villeroy & Boch em Mettlach.

É inesperado o contraste entre o ziguezague, muito art déco, em dégradé e em relevo, da decoração sobre a forma arredondada, que nos parece mais convencional, da caixa. E, sobretudo, parece-nos curioso, do pouco que conhecemos, que o dégradé seja feito pela sequência de duas cores planas, onde cada cor aerografada preenche homogeneamente cada estampilha, muito à maneira francesa, não cumprindo, assim, o que nos parece ser mais comum na produção germânica, isto é, o esfumado. Será influência da ocupação gaulesa do Sarre, território que esteve sobre administração franco-inglesa entre 1920 e 1935, como indica o «Made in Saar Basin» do carimbo?

Claro que estas questões não são lineares e as influências são recíprocas, sobretudo na zona fronteiriça entre os dois países, como algumas decorações de Sarreguemines, por exemplo, o comprovam.

Estão lembrados do fotograma do filme O Pai Tirano, que postámos recentemente, a 19 de Agosto, onde se vê uma boleira deste tipo, embora mais conservadora na sua decoração floral? Eram peças vistas com alguma frequência nas casas portuguesas, como muitos dos menos jovens ainda se lembrarão. De importação alemã, claro!



domingo, 19 de agosto de 2018

Uma decoração icónica de Sacavém


Parte de serviço formato «Porto», de faiança moldada. Sobre formas ainda oitocentistas foi aplicada uma decoração geométrica estampilhada e aerografada, a três cores com pintura em esfumado: verde, azul e castanho alaranjado. Asas, pegas, bicos e bocais pintados à mão, a castanho. No fundo das bases, carimbo a verde «Gilman & Cta-Sacavém» «Portugal» e, «386» (decor), acrescido no bule de «O», na leiteira e açucareiro de «E», etc..
Data: c. 1930-40
Dimensões: Várias

A padronagem art déco modernista deste serviço é a que qualquer leigo português nestas coisas da produção cerâmica nacional é capaz de imediatamente identificar como sendo “Sacavém”. Verdadeira referência icónica desta fábrica, a decoração nº 386 foi usada entre cerca de 1930 e 1960s. Só que, mais uma vez, não é uma criação original portuguesa.


No fundo documental da Fábrica de Loiça de Sacavém encontra-se o verbete que se ilustra, gentilmente cedido pelo Museu de Cerâmica de Sacavém / Centro de Documentação Manuel Joaquim Afonso (MCS-CDMJA), onde o motivo decorativo nº 386 aparece aplicado a uma tigela.

Os sensores em Portugal não percebiam a carga ideológica dos objectos modernos. Perseguia-se um pintor ou um escultor, mas as peças modernas de uso quotidiano entravam livremente nos lares portugueses. É disto um bom exemplo a faiança aerografada de boa parte da produção de Sacavém, só para citar uma fábrica. Hitler destruía-as na Alemanha, onde integravam o rol das artes degeneradas, produto de judeus e comunistas, como temos vindo a referir.



O provincianismo local abria-lhes as portas e mesmo em cenas como no filme «O Pai Tirano» (1941), o café com leite (?) do pequeno-almoço da pensão pequeno-burguesa, que na ficção fílmica se localiza na travessa da Portuguesa, no bairro da Bica, é servido em peças (chávenas e manteigueira) de um serviço com esta decoração, a uso como grito de modernidade popular num ambiente ainda muito século XIX. Curiosamente, a boleira de loiça com tampa metálica é alemã (ver fotogramas do filme).


Apresentamos aqui, igualmente, fotografia de um tête-à-tête que esteve há uns anos, e durante longos meses, à venda no Miau.pt como sendo «Sacavém». Era uma peça que gostaríamos de ter adquirido, mas o preço exorbitante pedido tal não permitiu. Mesmo sem termos visto a marca, arriscamos afirmar que se trata de produção da Europa Central, de origem alemã ou checa. Caso os nossos leitores tenham alguma informação que possa satisfazer a nossa curiosidade, deixamos desde já o nosso agradecimento.

A técnica do dégradé num dos lados do desenho da estampilha, tão ao gosto alemão teve, em Portugal, na produção da Fábrica de Loiça de Sacavém o seu expoente máximo, onde conheceu grande longevidade, como se pode constatar aplicada a este serviço, que por mais de 30 anos foi comercializado.


Dado só temos parte do serviço de chá e familiares nossos terem muitos mais peças, em parte por nós oferecidas, decidimos apresentar esta fotografia com algumas delas (embora a tigela apresente outra variante decorativa) como um conjunto ilustrativo da aplicação da decoração nº 386 e onde se pode ver, agora a cores, o modelo de chávena usado pela «Tatão» do filme, a actriz Leonor Maia.

sábado, 18 de agosto de 2018

Cabaré e charme. A propósito de uma escultura de Gustav Oppel para a Rosenthal - Alemanha


Peça de porcelana moldada e relevada, de cor branca, com apontamentos a amarelo, laranja, ouro, preto e verde, figurando uma jovem mulher, de pé e em pose, envergando traje de cabaré: calções curtos a amarelo, casaco e chapéu alto. Cabelo à la garçonne. Assenta sobre pé circular escalonado debruado a ouro. No fundo da base, carimbo verde «Rosenthal»«B-Bavaria». Inscrito na pasta «11». A dourado uma assinatura ilegível, talvez do pintor.
Data: 1923

Dimensões: Alt. 23 cm


Cabaré e Alemanha de entre guerras parecem ser indissociáveis, ideia que a literatura, o teatro e o cinema ajudaram a cimentar.

Mais que a divine decadence da personagem Sally Bowles, do filme Cabaret (1972), baseado na obra homónima de Cristopher Isherwood, que a brilhante Liza Minelli interpreta no filme de Bob Fosse, ao vermos esta delicada figurinha de porcelana, e embora não estejamos perante a atracção fatal da Lola Lola que actua no decadente cabaré Anjo Azul (Der blaue Engel), interpretado pela não menos brilhante Marlene Dietrich, do filme de Josef von Sternberg, estreado em 1930, é dela que nos lembramos.

Embora mais liberta, reivindicando para si atributos de moda, de pose e de comportamentos até então masculinos, a mulher é ainda uma ameaça. Continua durante este período a encarnar o Mal. A atracção demoníaca exercida por actrizes e coristas, no palco e no ecrã (embora neste se reduzisse, para a grande maioria dos espectadores, a amor platónico e a devaneios oníricos) continua tão presente como durante a Belle Époque.

A Alemanha sente o tratado de paz de 1919 como uma injustiça. Apesar dos sacrifícios e da pesada perda de vidas, quer militares, quer civis, o país não tinha conhecido o horror das batalhas e da destruição dentro do seu território, e a população mantinha-se profundamente ligada à monarquia e sentia como estranha a nova república imposta.
Arruinada economicamente pelo conflito e pelas pesadíssimas indemnizações que era obrigada a pagar às potências vencedoras, mergulha na miséria. Paralelamente, franjas de ricos, novos-ricos e arrivistas consomem freneticamente as coisas boas que o dinheiro pode proporcionar. A festa, o desvario, vão constituir a fuga a uma realidade da qual não se vislumbrava saída.

A necessidade de esquecer as agruras passadas e presentes vai potenciar a criatividade artística e sumptuária. A indústria cerâmica acompanha os novos gostos e tendências, abastecendo e contribuindo para o escapismo angustiado de uma sociedade que vivia apenas para o dia-a-dia. A República de Weimar embrenha-se, assim, com uma intensidade na joie de vivre dos anos loucos que sucederam à Grande Guerra, desconhecida nos demais países activos no conflito, apesar da grande miséria que se abatera sobre a pequena burguesia e o operariado.


Quando a escultura intitulada «Charme» foi criada, por Gustav Oppel, para a fábrica alemã Rosenthal, nos inícios da década de 1920, era este o cenário. A situação arrastou-se até 1925, quando se dá o empréstimo americano, ano em que se inicia a acção do Anjo Azul, e a situação económica alemã melhora nos curtos anos que antecedem o crash da bolsa de Nova Iorque.

A escultura mostra uma elegante e charmosa criatura de um qualquer espectáculo musical de luxo, até porque se destinava a ser adquirida por uma clientela sofisticada e de posses.

Não é o caso do Anjo Azul, mas a indumentária de Lola Lola, apesar de mais pobre, aproxima-se da da escultura: o mesmo tipo de cartola, o mesmo género de sapatos, e a lingerie sob o curto vestido evoca os calções curtos. Traje de cena, para deslumbrar e seduzir, porque lá fora a vida é dura, mas dentro do cabaré tudo é vibrante de ritmo e de cor, de luz e de brilho e, sobretudo, de erotismo. O sexo acompanha o ritmo do jazz, e o frenesim de danças como o charleston. Estamos no apogeu do teatro musical e congéneres.


Na obscuridade teatral e difusa, repleta de fumo de cigarro, para as cabeças toldadas pelo álcool, todos os rostos são belos e há muitas carnações à vista. O encanto das actrizes e coristas ilude, assim, os sentidos e os sentimentos. Vive-se numa outra dimensão. E há espaços de espectáculo para todas as bolsas. Divine decadence.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Jarra cabaça azul com guarnição de metal Paul Milet - Sèvres


O modelo de jarra em forma de cabaça canelada que hoje postamos já aqui foi apresentado em 14 de janeiro de 2012. A diferença passa pela cor, neste exemplar simulando crisocola, a azul-ultramarino e a amarelo, como palhetas de ouro, dando cambiantes esverdeados, e pelos motivos decorativos da guarnição de metal (bronze?), igualmente art déco, formando anel cintando o bocal de onde pendem três conchas ou palmetas classicizantes que intercalam com igual número de cadeias geométricas formadas por trapézios escalonados. No fundo da base, carimbo circular pontilhado envolvendo «MP» «Sèvres» e, pintado à mão, «V».
Data: c. 1920-25
Dimensões: alt. 15 x larg. 11,5cm


Numa colecção, a constituição de séries permite compreender como um mesmo elemento decorativo (neste caso a cadeia geométrica formada por trapézios escalonados), repetido em contextos e associações diferentes, dá origem a novas composições decorativas.

A guarnição metálica, mais uma vez, contribui para enobrecer a cerâmica, numa continuação das tendências decorativas do Barroco, neste caso para enfatizar a estética art déco da época pouco evidente na forma desta jarra que remete para modelos orientais.



domingo, 15 de julho de 2018

Jarra craquelé com decoração à chinesa – Sacavém



Jarra de faiança moldada, piriforme de colo invertido e pequena gola elevando o bocal circular. De cor branco-sujo e craquelé miúdo, apresenta, em lados opostos, decoração manual a preto e laranja, aplicada sobre o vidrado, com motivo de cerejeira retorcida com algumas flores, emergindo de um terreno ondulado às escamas, ao gosto chinês. Bocal cintado por corrente de elos a laranja e preto intercalados. No fundo da base, carimbo preto «Gilman & Ctª – Sacavém» «Made in Portugal» sobreposto a outro carimbo idêntico amarelado, e, em relevo na pasta, «80».
Data: c. 1930 – 40
Dimensões: Alt. 14 cm


A Fábrica de Loiça de Sacavém é uma caixinha de surpresas. Desta vez uma inesperada - pelo menos para nós que desconhecíamos este tipo de produção - jarra craquelé com decoração de chinoiserie. As cores são totalmente art déco e a estética orientalizante, presente também no craquelé, acentua esse gosto pelo exótico que se manteve durante os anos 20 e 30, senão mesmo por toda a primeira metade, do século XX. Não sabendo a data de produção é por estas características formais que a datámos. De qualquer maneira encontamos semelhanças nesta decoração com a de 1927/1929 que o artista vidreiro francês Schneider baptizou "Bonzai".  Uma peçazinha de qualidade que demonstra bem que Sacavém era outa loiça…